segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Violência infantil, o Mal, a Justiça e os Direitos Humanos

Por: Gabriela Krysia e Karina Sousa

A violência infantil é um tema que requer discussão visto que trata da vida de pessoas que ainda não são capazes de se defender. Ela pode ocorrer como violência psicológica, sexual, física ou negligência, e pode acarretar danos físicos e/ou psicológicos na criança ou adolescente. É possível encontrar a violência infantil em todas as camadas econômicas da sociedade, em umas mais intensamente que em outras, e pode ocorrer no meio intrafamiliar ou extrafamiliar.
           Produzimos esse texto não para reforçar os direitos das crianças e adolescentes, mas sim, com o intuito de refletir acerca das pessoas que cometem atos de violência. Queremos refletir acerca do mal e da ação punitiva e defensora de direitos que a justiça possui.
        De forma geral, quando uma pessoa comete um crime, ela é vista como alguém ruim, de natureza má, que deve ser punida e que deve sofrer tanto quanto ou mais que a vítima. A mídia apresenta casos em que a revolta da sociedade a respeito de um crime é tão grande que acarreta a agressão ao criminoso.
         Entretanto, é importante lembrar que mesmo cometendo um crime, por mais violento que seja, o indivíduo permanece sendo um sujeito de direitos, assegurado por leis.
A Constituição Federal de 1988, apresenta no Título II, Capítulo I, Artigo 5º o seguinte:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

Com isso, é possível perceber que a criança e o adolescente possuem direitos e o transgressor também possui, já que todos são iguais perante a lei. Sendo assim, é possível dizer que aqueles que agredirem alguém que cometeu um delito, também estão sendo transgressores da lei. Dessa forma é possível inferir, que quando isso ocorre não está existindo ética, sendo essa, no sentido de manter uma boa convivência social.
          É importante ressaltar que não compete aqui afirmar se quem comete crime é mal ou não, o que podemos dizer é que de acordo com o filósofo cristão São Tomás de Aquino o mal é uma falha, sendo assim, podemos inferir que o delito, em sua ação, pode ser visto como mal, como uma falha no funcionamento de algo. Essa falha pode ser nos valores morais ou no comportamento, por exemplo, mas não cabe aqui identificá-las e explicá-las. 
         Outra questão que esse filósofo trata diz respeito ao livre arbítrio, que é tido como uma escolha racional, responsabilizando o homem pelas suas escolhas. Consequentemente, de acordo com esse pensamento, quando um indivíduo comete violência infantil, ele a fez de forma consciente, ele escolheu fazer aquilo, e está ciente que uma escolha que não é boa, que não é ética (ética no sentido de manter uma boa convivência social) acarretará numa punição.
         Outro filósofo cristão, Santo Agostinho, escreveu que era possível existir um bem formado a partir de um mal. Podemos dizer que um exemplo disso é a existência do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que foi desenvolvido pela necessidade de assistência aos menores. A Lei Maria da Penha também pode ser considerada um bem formado a partir de um mal, visto que Maria da Penha foi uma mulher que sofreu violência física e psicológica, e esse mal pôde se transformar numa lei de proteção às mulheres.
         Acerca dos Direitos humanos, há quem defenda que esses são direitos fundamentais ao criminoso e há aqueles que associam os direitos humanos como defensores de bandidos. Quem é desfavorável aos direitos humanos, traz argumentos justificando que o infrator deve pagar pelo que fez e não deve ser visto como um “coitadinho”, já que ele sabia o que estava fazendo e deve ser responsável por seus atos.
Parte da sociedade vê aquele que comete violência infantil, como um “monstro”, o tratando de forma hedionda, desejando os piores sofrimentos e punições. Muitas vezes ocorrem linchamentos por parte da população que deseja fazer “justiça com as próprias mãos”.
Como exemplo disso, uma notícia exibida em janeiro desse ano, pelo site RTV canal 38, apresentou o linchamento e consequente morte de um homem que agrediu uma criança de três anos em Mauá da Serra, PR. Populares o encontraram antes da polícia e o agrediram com golpes de faca e objetos perfurantes, ocasionando leões na região da cabeça, rosto, costas e braços.
Outra notícia que repercutiu não apenas em sites, mas também em telejornais ocorreu este mês no estado do Maranhão, um homem nu, amarrado a um poste, sendo atacado por populares com chutes, socos, pedradas e garrafadas. Tudo isso devido a uma tentativa de assalto. Ele faleceu antes de ser levado ao hospital.
Fica claro que nesses casos não houve respeito à vida do outro nem a seus direitos. É possível dizer também, que não houve justiça, já que isso foi impedido. O que ocorreu foi vingança, e quem a cometeu é tão infrator quanto o outro.
Apesar disso, há aqueles que reforçam a ideia de que a punição deve ocorrer e o infrator deve ser responsabilizado por seus atos, mas na mesma medida defendem os direitos universais, que como ser humano, um criminoso possui.
Em seu artigo, Impunidade e Inimputabilidade, Faleiros (2004, p.03) traz um alerta acerca da negação dos direitos humanos, bem como do aumento da repressão ao infrator.

Ao mesmo tempo, reforça-se o ponto de vista de que “bandido bom é bandido morto” na total negação dos direitos humanos e da cidadania, aumentando-se a onda pela hediondização dos crimes, pelo aumento das penas, pela repressão ao infrator, ao invés de se olhar para o contexto social e as condições de produção da violência na sociedade.

         A mídia, como formadora de opinião, muitas vezes reforça a ideia de que um “monstro” cometeu tal crime, a sociedade também sustenta essa opinião, fazendo com que cada vez mais fique difícil de ver o infrator como um ser humano de direitos.
         Numa entrevista para a revista Brasileiros, Maria Carolina Trevisan, repórter do coletivo Jornalistas Livres, argumentou o seguinte a respeito da influência da mídia: “Os noticiários reforçam a ideia de que existe uma sensação de impunidade, então reforça o sentimento de vingança nas pessoas”.
Soares (1998), em seu artigo, Cidadania e Direitos Humanos,traz a ideia da necessidade da punição de acordo com a legislação e também da necessidade de não excluir o criminoso da comunidade dos seres humanos quando afirma:

Mas a não-discriminação por julgamento moral é ainda uma das mais difíceis de aceitar; é justamente o reconhecimento de que toda a pessoa humana, mesmo o pior dos criminosos, continua tendo direito ao reconhecimento de sua dignidade como pessoa humana. É o lado mais difícil no entendimento dos Direitos Humanos. O fato de nós termos um julgamento moral que nos leve a estigmatizar uma pessoa, mesmo a considerá-la merecedora das punições mais severas de nossa legislação, o que é natural e até mesmo desejável, não significa que tenhamos que excluir essa pessoa da comunidade dos seres humanos (p.07).
        
A respeito da punição, Santo Agostinho vem nos dizer que justiça deveria estar presente tanto na punição quanto na recompensa. Atualmente, temos dispositivos legais que permitem relacionar determinado delito com a punição adequada, dessa forma, não há necessidade de outras pessoas buscarem “fazer justiça com as próprias mãos”.
Com isso, apesar de cometer um crime, o infrator não deve ser vítima de outro crime, como previsto no artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Ninguém será submetido à tortura nem a punição ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
         Soares (1998) afirma ainda que os direitos humanos são direitos naturais, porque dizem respeito à dignidade da natureza humana e existem antes de qualquer lei, não precisando estar nelas especificados, para serem exigidos, reconhecidos, protegidos e promovidos. Logo, é importante não associar os direitos humanos com direitos dos bandidos, mas sim como pertencente a todos os seres humanos.
Por fim, é necessário refletir que todos somos iguais perante a lei, mesmo cometendo crimes como a violência infantil. E que é importante garantir os direitos de quem cometeu um crime, mas também assegurar à vítima, justiça no sentido de uma punição adequada.  Além disso, é importante identificar onde houve a falha que permitiu o mal acontecer, essa identificação pode ser feita quando se conhece as condições psicossociais vividas pelos criminosos.

Referências

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nos 1/1992 a 68/2011, pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/1994. – 35. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2012. 454 p. – (Série textos básicos; n. 67).

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, ONU, 1948. Disponível em: <http://www.humanrights.com> Acessado em:07/07/15.

FALEIROS, V.P. Artigo em Serviço Social & Sociedade, Ano 24, n. 77-São Paulo, Cortez Abril de 2004.

MARCONDES, D. Textos Básicos de Ética: de Platão a Foucault. 4ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009. (Filósofos em estudo).

SOARES, M. V. de M.B. Cidadania e Direitos Humanos – São Paulo: IEA/USP, 1998, 12p.

CANAL 38. Homem é linchado em Mauá da Serra após agredir criança. 2015. Disponível em: <http://www.rtvcanal38.com.br/2015/01/14/homem-e-linchado-em-maua-da-serra-apos-agredir-crianca>. Acesso em:15 de julho de 2015.

TAJRA, A. O papel da mídia no duplo linchamento do Maranhão.BRASILEIROS. 2015. Disponível em: <http://brasileiros.com.br/2015/07/o-papel-da-midia-no-duplo-linchamento-maranhao>Acesso em:15 de julho de 2015.

2 comentários:

  1. Quando olhei o título não sei o porquê de ter lembrado do ECA e da Constituição, rs. Gostei da citação de Aquino falando do desvio do bem. Foi muito bem colocado este argumento aqui. Acredito que várias pessoas que repetem a famigerada frase: “Bandido bom é bandido morto.”, deveriam ler seu texto e (re)pensar em como estão/podem estar sendo manipuladas pelo discurso midiático. Partindo dessa ideia, elas poderiam buscar outros meios de informação para construírem suas opiniões que futuramente serão emitidas, mas agora de forma consciente e crítica.

    Parabéns, Gaby, pelo excelente trabalho!

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