quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Haters e Trolls: a internet não é um campo amoral onde tudo é permitido!


Por: Joanna Luiza da Cunha Pontes e
Bruna Mirelle Gomes da Silva

As redes sociais como facebook, twitter, youtube, instagram etc., vêm cada vez mais ganhando espaço em nossas vidas, principalmente no campo das relações interpessoais. E o que chama mais atenção é o modo como as pessoas se posicionam para expor seu ponto de vista nas diversas postagens e comentários que são publicados.
Trazemos à tona o caso de Amanda Todd, uma adolescente canadense que cometeu suicídio após ser vítima de cyberbulliyng, também chamado de violência virtual. Ela havia mostrado os seios no webcam para um estranho através de um chat na internet. Um tempo depois o conteúdo passou a circular nos ambientes de convívio social da adolescente, como a escola em que estudava e também na internet acompanhado de comentários que expressavam ódio e teor ofensivo. Assista ao vídeo: (A história de Amanda Todd https://www.youtube.com/watch?v=gikbgGOE5II)
É justamente sobre esses típicos comportamentos online que iremos discutir. Chamamos de haters e trolls os autores de postagens deste tipo, o primeiro grupo é caracterizado por posicionamentos odiosos e extremistas, “odiadores que odeiam”, mais conhecido no inglês como: “haters gonna hate”. Estes, por sua vez se alimentam de posturas contrárias dirigidas aos seus comentários, fomentando uma grande discussão, na qual eles irão sempre se posicionar no seu viés de confirmação. Já o segundo grupo é composto por internautas que postam com o intuito de provocar reações antipáticas, ou seja, seu combustível é a atenção, eles têm o prazer em lançar a faísca para ver o negócio pegar fogo. É uma prática tão comum que trollar já virou um verbo informal. A sequência de comentários que poderia ser um diálogo nas redes sociais, na verdade se aprisiona em posições conformistas e provocações que fazem crescer o sentimento de ódio e irritação [1].
Você já se perguntou porque esse comportamento fica mais nítido nas páginas da internet do que em situações cotidianas, como nas filas de banco, na praça, no shopping etc.? Teria o mundo virtual uma porta de entrada que não encontramos fora dele? O anonimato pode ser uma, já que uma vez o indivíduo não sendo identificado também não pode ser punido. Desse modo percebemos que a sensação de impunidade abre margem para uma interpretação “equivocada” de liberdade e isso os leva a agir de forma incoerente nas redes sociais em relação às normas de condutas que regem a sociedade, no que diz respeito às relações interpessoais.
Tomamos tal interpretação como equivocada pelo fato de que a liberdade existe em dois âmbitos: potencialidade e praticidade . A primeira como o próprio termo já diz é o potencial que cada indivíduo possui de atuar no meio; por outro lado temos a liberdade enquanto prática, limitada pelas regras que ditam o que, onde, como e quando nós podemos agir. No caso dos haters e dos trolls, podemos encarar suas atitudes como sendo uma prática de liberdade? Ou seria um abuso do anonimato?


                                                                                      (www.google.com)

Na tirinha acima podemos extrair as noções de liberdade, punição e anonimato dentro e fora da internet. A partir do Mito do Anel de Giges trazido em Platão [2] pode-se perceber que os homens só são justos porque temem a punição de seus atos, ou seja, “deem a um indivíduo o poder de fazer o que ele quiser e ele não hesitará em agir de forma injusta e de acordo com seu interesse particular”. O que nos faz pensar em uma das grandes controvérsias no âmbito ético que vem sendo discutida há muitos séculos a partir de Sócrates: o medo da punição garante a conduta ética?
A internet não é um campo amoral, onde tudo é permitido sem a existência de consequências, principalmente no tocante às questões psicológicas.  É quase impossível controlar a circulação dos conteúdos publicados pelos haters e trolls, é aí que atuam os chamados “garis digitais”. São eles que na medida do possível “limpam” os comentários e mesmo assim não conseguem dar conta de tudo, como aconteceu no caso de Amanda, as fotos dos seus seios divulgadas na internet tiveram tanta repercussão que as consequências culminaram em ansiedade, depressão severa e síndrome do pânico, foi tanta pressão que ela desistiu de viver cometendo suicídio por enforcamento.
Segundo Stuart Mill, atitudes éticas são definidas a partir de ações benéficas a um maior número de indivíduos em detrimento de suas consequências e resultados, o que chamamos de utilitarismo. O bem para ele é o que maximiza o benefício e reduz o sofrimento. Considerando que os internautas tomam os haters e os trolls como os “inimigos da internet” começamos a nos perguntar: teria isso alguma relação benéfica? Os diversos posts ofensivos e odiosos causam muito mais sofrimento do que bem estar, no caso de Amanda, levando a mesma a tirar sua própria vida, sem falar as atitudes de esquiva de várias pessoas que chegam a fazer tutoriais ensinando a outrem sobre como lidar com eles caso vierem a ser vítimas.
Como relacionar as atitudes desses “vilões” com o bem se o termo “inimigo” já remete a algo mal, que ofende, que odeia e provoca mal estar? Princípios éticos de conduta diária acabam sendo deixados de lado, como se o respeito ao próximo e o impacto de atitudes na vida do outro não tivesse a mínima importância; como se essas pessoas não conseguissem colocar-se no lugar de quem está sofrendo do outro lado. Ética não se resume apenas em regras de conduta, bem e mal, certo e errado, ética também existe enquanto cuidado consigo e com o próximo.

[1] Prado, A. (2014, Outubro) O Terrível Mundo dos Comentários na Internet. Super Interessante. Ed. 338. p- 56-61.

[2 e 3] Marcondes, D.(1953). Platão. In:________ Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O Dia do Curinga


Por: Tamires Cândido de Santana e
Nivaneide Ferreira da Silva


Em uma ilha distante chamada Baralho Encantado, viviam famílias de naipes que em troca de moradia, segurança e alimentação trabalhavam pesado na agricultura, na pecuária e na marcenaria. A sociedade era extremamente organizada, as quatro famílias totalizavam 52 cartas, com 13 em cada família, obrigatoriamente. Cada família era responsável por um trabalho específico: cabia aos naipes de ouro a produção de móveis utilizando madeira, aos naipes de espada cuidar do plantio e colheita de frutos, aos naipes de copas a criação de animais e aos naipes de paus a manutenção do reino em geral, como a limpeza. E assim, viviam todos felizes e em paz, por mais que hora ou outra reclamassem estar muito cansados por conta do trabalho árduo.

O casamento era “TRIGÂMICO”, sendo regra, no entanto, que ele ocorresse apenas entre cartas do mesmo naipe ou entre cartas da mesma cor.

O Sr. Curinga era a única carta livre daquele local e diferia de todas as outras por ser maior e ter cravado no peito o símbolo real de multi-adaptação, que representava o fato de ele poder se relacionar com qualquer uma das famílias de naipes. Ele era o único na ilha que não trabalhava, sendo visto assim por todas as outras cartas como um ser estranho, tanto por sua aparência, tanto por desrespeitar as regras impostas do Baralho.

Havia um único dia, a cada 50 anos, em que os outros naipes eram obrigados a recepcionar bem o Curinga. Era o dia do seu aniversário, uma vez perante as ordens da sociedade do Baralho, esse dia era um dia que o aniversariante merecia o máximo de respeito e atenção, podendo se expressar e pedir o que quisesse.

Enquanto todos faziam muito barulho e estavam sempre atarefados com suas famílias e trabalho, o Curinga era sempre silencioso e apenas ficava em cima de uma árvore da ilha quieto. No dia do seu aniversário ele exigia que todos fizessem silêncio e apenas pensassem no porquê de sua existência, de onde surgiram, e porque viviam daquela forma, o que era uma tarefa difícil para todos, pois os tiravam da zona de conforto e os deixavam amedrontados. Este motivo fazia com que o tão falado dia do aniversário do Curinga fosse um dia temido.

No entanto, depois do último aniversário o Curinga havia mudado. Ele continuava na sua árvore, mas ao invés de ficar apenas quieto, ele escrevia o tempo inteiro e escreveu intensamente durante todos os 50 anos, até que chegado o tão falado, esperado e temido dia do seu aniversário ele exigiu que todas as 52 cartas ouvissem atentamente seu discurso:


Senhores naipes da Ilha do Baralho Encantado, neste dia eu gostaria apenas de fazer um pronunciamento de todas as questões que vi e ouvi nesta ilha, mas nunca pude ser levado a sério.

Em princípio, percebo que todos vocês sempre me julgaram por eu ser maior, mas a questão é que vocês que estão numa menoridade e que acham confortável ser menores, apenas obedecendo leis, regras e executando ordens sem o domínio do raciocínio, sendo restritos da liberdade de pensar por si próprios e não se permitem o silêncio. Sempre estão atarefados ou tagarelando para que suas mentes não possam refletir a respeito de questões existenciais fundamentais para a civilização de naipes.

Vocês sempre serão tolos porque seus reis também são tolos e passam apenas tolices para que vocês obedeçam! Como vocês prezam pela segurança de seus naipes acima de tudo, obedecem a justiça cegamente. Mas como irão conseguir ter liberdade se sempre estão obedecendo? Me digam! Vocês não podem me dizer pois vocês nunca pararam para pensar nisso! Vocês vivem baseados em conceitos ancestrais de sociedade. Por que trabalham de acordo com a família de naipe? Por que não têm a liberdade de trabalharem no que acham melhor? Por que não se questionam sobre isso? De onde vocês vieram? Pra onde vocês vão depois disso? Pra quê tanto trabalho? Como vocês não conseguem se questionar e se inquietar com isso o tempo inteiro? Como conseguem viver apenas por viver? Por que o casamento só pode ocorrer com cartas da mesma cor? Por que vocês são trigâmicos? Isso é uma questão apenas do controle dos corpos naipianos que induzem vocês a aceitarem algo como moral, reprimindo o real desejo de serem livres e casarem com quem quiserem. Vocês julgam ser errado casar um às de espadas com um rei de copas, mas a relação de certo e errado é apenas relativo, é imposto e vocês nunca se questionaram o porquê de ser errado, apenas aceitaram como coisas que são do bem e do mal.

Mas, tudo isso cai no relativismo. Como todas as minhas perguntas. Afinal, as melhores questões deixam uma interrogação mental!


Dito seu discurso, o Curinga simplesmente desapareceu feito fumaça, deixando todas as 52 cartas perplexas e sem entender como ele desapareceu daquela forma. Discutiram, questionaram, se inquietaram com quais seriam as possibilidades de para onde ele teria ido e para onde todos iam ao morrer. Isso fez com que de certa forma começassem a pensar por si próprios, atingindo assim certo grau de maioridade.

(O Sr Curinga morreu de propósito para tentar salvar aquela pequena civilização naipiana do aprisionamento moral, ético e racional).