quinta-feira, 12 de março de 2015

Reflexão sobre a diminuição da maioridade penal à luz da ética de Stuart Mill

Por: Layna Marins, Marina Cursino e Rebeca Sobreira.

Um dos temas que gera mais polêmica na sociedade brasileira atual é a discussão sobre a diminuição da maioridade penal. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei nº 8.069), substituinte do Código de Menores (Lei nº 6.697/79), foi criado em 13 de julho de 1990 e considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade (ECA, 1990). Sendo assim, a idade mínima para maioridade penal é prevista pelo ECA como sendo de 18 anos.
Atualmente se constata evolução crescente do número de adolescentes na prática de atitudes criminosas, os quais já não mais se limitam ao cometimento de pequenos delitos. Nesse sentido, as pessoas que se posicionam em prol da diminuição da maioridade penal, dentre seus argumentos, ressaltam que, frente às mudanças e avanços tecno-científicos do século XXI, o menor entre 16 e 18 anos é visto como pessoa capaz de entender as consequências de seus atos, podendo assim ser submetido às sanções de ordem penal (JORGE, 2002).
Somando-se a isso, aos maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, são conferidos lucidez e discernimento na tomada de decisões no âmbito da capacidade eleitoral ativa, conforme está expresso no artigo 14, § 1º, inciso II, alínea c, da Magna Carta (JORGE, 2002).



Em contrapartida, aqueles que defendem a atual vigência da lei em relação à maioridade penal, baseados no artigo 228 da Constituição Federal, afirmam que o indivíduo menor de 18 anos não possui desenvolvimento mental completo para compreender o caráter ilícito de seus atos, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Como ato infracional entende-se “toda ação ou omissão consciente e voluntária, que, estando previamente definida em lei, cria um risco juridicamente proibido e relevante a bens jurídicos considerados fundamentais para a paz e o convívio social” (André Estefam e Victor Gonçalves, 2012, p. 312 apud Couto, 2014).
Corroborando com essa visão, os cientistas comportamentais e neurocientistas se apoiam na tese do ser humano em desenvolvimento, isto é, certas estruturas cerebrais não estão maturadas o suficiente para responsabilizar o indivíduo por atos infratores (CUNHA; ROPELATO; ALVES, 2006).
Atualmente, a discussão em torno do tema da maioridade penal se situa em dois polos previamente apresentados: aqueles que querem a redução da maioridade penal e os que optam pela permanência da lei vigente. Enveredando pela ética utilitarista de Stuart Mill, nos perguntamos: a quem é útil a diminuição da maioridade penal? Estaria isso de acordo com o Princípio da Máxima Felicidade, defendido filósofo inglês Stuart Mill?
O princípio básico das reflexões de ética desse filósofo é o do utilitarismo. Esse princípio universal coloca o útil como algo que contribui para o bem estar geral, e o bem seria colocado como algo que reduz o sofrimento e a dor, aumentando o benefício. Desse modo, as ações éticas seriam aquelas que trariam benefício para o maior número de pessoas, podendo, assim, ser tomada como uma ética das consequências, pois uma ação é avaliada como ética de acordo com as consequências ou resultados gerados por ela (MARCONDES, 2007).
Marcondes (2007) ainda aponta que a lógica utilitarista se encontra no sentido de fazer aos outros aquilo que queremos que seja feito a nós, isto é, na busca da felicidade máxima, o interesse de cada indivíduo deve estar em harmonia com o da totalidade. Para isso, é necessário que os indivíduos tomem o seu bem-estar a partir do bem-estar de todos. A felicidade que é alcançada a partir do bem comum estaria ligada às condutas humanas, sendo, portanto, a busca pela felicidade individual algo que iria contra esse bem, gerando uma conduta negativa (MARCONDES, 2007).
O Brasil é um país tipicamente capitalista. Dentre as consequências do capitalismo, duas se destacam na condição estrutural da sociedade: a desigualdade e a individualidade. A desigualdade se expressa nas condições de vida precárias e na privação de direitos básicos. Tal fenômeno contribui diretamente para a individualidade, isto é, o pensamento voltado para a satisfação dos desejos e necessidades individuais.
 Essa lógica capitalista em que estamos inseridos, não se encaixa, portanto, no perfil ético proposto por Mill, pois, ainda que se alcançasse a felicidade, como ele propunha, essa felicidade não estaria ligada às condutas humanas no sentido de promover o bem-estar coletivo. Ao contrário, a felicidade apresentada pelo capitalismo é uma felicidade individual, associada à satisfação de desejos e necessidades individuais do consumo, o que vai de encontro aos pensamentos do filósofo inglês.
A desigualdade social supracitada contribui ainda para a organização de classes hierárquicas. Aqueles que possuem o poder econômico se situam no topo da hierarquia social e têm os seus interesses sobrepostos aos das pessoas com menor acesso financeiro. Esses indivíduos, localizados na base da hierarquia, possuem seus direitos muitas vezes subtraídos pelos que possuem poder econômico e, por isso, desfrutam de privilégios políticos e sociais.
Enquanto que o sujeito de classe social favorecida tem todo o seu desenvolvimento regado de proteção e cuidado, aqueles de classes sociais mais baixas desde cedo buscam a independência por estarem, de certo modo, desamparados. Uma das alternativas encontradas pelas pessoas de baixa renda é a criminalidade que, apresentando altas taxas, contribui com a superlotação dos presídios e de Centros de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (fundação CASA, antigamente denominada FEBEM).
 No âmbito da discussão em pauta, poderíamos supor que caso diminuída a maioridade, a situação não seria tão diferente do que foi exposto: os jovens de classe social favorecida continuariam tendo regalias em seu julgamento e penalização, enquanto que aqueles menos favorecidos seriam julgados e encaminhados para fundação CASA. Ou seja, uma lei que deveria servir à população geral continuaria valendo apenas para aqueles que se encontram desamparados socialmente. Isso iria mais uma vez em sentido contrário à proposta de Stuart de que o bem-estar coletivo deveria se sobrepor ao individual do mesmo modo que o prazer geral deveria se sobrepor à dor.

A partir da realidade que vivemos, notamos que essa discussão da diminuição da maioridade está relacionada à ética das consequências, trazida por Mill. Essa concepção, que avalia o caráter ético de uma atitude a partir do ponto de vista de suas consequências ou resultados, está imbricada na discussão da redução da maioridade penal, já que essa questão pode ser refletida a partir de suas possíveis consequências.
Ao invés do bem comum e de uma felicidade máxima, como propõe o pensamento de Mill, a diminuição da maioridade penal levaria a continuação de um ciclo vicioso, em que os indivíduos entrariam cada vez mais jovens no mundo do crime. Devido à péssima infra-estrutura penitenciária e à fraca política de ressocialização vigente no país, as possibilidades desses jovens alcançarem um pensamento de bem comum coletivo se estreitariam ainda mais. Isto porque somos cidadãos e cidadãs em um país utilitarista marcado pela desigualdade social, em que se busca a satisfação de desejos e vontades individuais, e, para satisfazê-las, hábitos de autoconsciência e autoinspeção para se pensar o bem comum são praticamente inexistentes.
Ao longo de nossa reflexão é notável que a diminuição da maioridade penal não é uma questão em si. Existem nuances a serem melhor entendidas, existe algo de mascarado e velado em nosso estado democrático utilitarista que não aplica a proposta de bem comum a todos e todas, havendo, inclusive, diferença nas formas de se executar uma sanção judicial.
Um exemplo clareador é o caso da jornalista Rachel Sheherazade que, em notícia do dia 5 de fevereiro de 2014, veiculada no Jornal do SBT, comentou sobre um o grupo que espancou e prendeu a um poste um adolescente acusado de furto. Seus comentários foram na direção de defesa do grupo que praticou tal ato, referenciando-se ao adolescente como “maginalzinho”. Já em notícia versada a respeito da agressão praticada pelo cantor Justin Bieber, a mesma jornalista se posiciona de modo contrário à medida punitiva que foi empregada ao artista (prisão), acrescentando que ele está em processo de crescimento e devemos relevar isso.
Essa breve ilustração nos chama atenção pela diferença de discurso produzido vindo uma figura pública que deveria, de acordo com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, limitar-se a transmissão da notícia, sem impor ou expressar sua opinião pessoal. Com isso, ressalta-se o triste fato de que mudam os discursos quando muda o poder econômico dos sujeitos envolvido. E não só os discursos são alterados, como também as medidas aplicadas para sancionar um ato infrator.
O que fica desta reflexão é um convite a pensar o que, enquanto cidadãos e cidadãs, estamos reproduzindo em nossa sociedade que se diz democrática e regida pelo Princípio da Máxima Felicidade, abordado por Mill. A prática de pensar pode nos levar não só a uma mudança no âmbito particular (o que posso mudar em minha vida privada), como também a um reposicionamento diante de questões sociais, a enxergar de modo diferente o Brasil (e consequentemente a construção e aplicação de leis e políticas públicas) em que vivemos. Consideramos, por fim, que esta reflexão não está encerrada, abrindo-se, portanto, um leque a futuros “repensares”. Há muito mais o que ver no “homem por trás dos óculos e do bigode”, como já dizia o poeta Drummond, no Poema de sete faces.




Referências

COUTO, Leonardo Martins. Aspectos Penais do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e do Estatuto da Juventude. JusBrasil: 2014. Disponível em http://leonardomartinscouto.jusbrasil.com.br/artigos/145193790/aspectos-penais-do-eca-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-e-do-estatuto-da-juventude?ref=topic_feed. Último acesso em 15 de outubro de 2014

 

CUNHA, Paula Inez; ROPELATO, Raphaella; ALVES, Marina Pires. A redução da maioridade penal: questões teóricas e empíricas. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 26, n. 4, Dec. 2006.  Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932006000400011&lng=en&nrm=iso>. access on 01 Dec. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932006000400011.

 

JORGE, Éder. Redução da maioridade penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 7 (2002). Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3374. Último acesso em 15 de outubro de 2014.

MARCONDES, Danilo. Stuart Mill In Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, pp 116-120.

MARCONDES, Danilo. Kant In Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, pp 86-93.


Links usados para notícia sobre Justin Bieber versus notícia sobre o adolescente agredido:


Jovens Infratores

Por: Larissa De Siqueira Coelho & Tatiane Pessôa

                            
A imputabilidade penal no Brasil despertou o questionamento da sociedade devido aos atos infracionários cometidos por menores. Com isso, muito se fala da redução da maioridade penal. Mas será que a mudança da maioridade penal é uma fórmula para diminuir o crescente nível de violência no Brasil?
Ao defender a redução penal de 18 para 16 anos, a maioria das pessoas comete o erro de que o menor que infringe a lei não é punido. Porém, a Constituição Federal de 1988, diz que os menores de 18 anos são inimputáveis, mas são sujeitos à legislação da criança e do adolescente (ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente). Eles são enquadrados a cumprir seis medidas socioeducativas que dentro destas está incluída a privação da liberdade por um período máximo de três anos (Oliveira, 2013). Além do mais, a redução da maioridade penal é inconstitucional e não pode ser modificada pelo Congresso Nacional. Ou seja, para que ocorra uma modificação na lei é preciso uma nova Assembleia Constituinte. (Bocato, 2013). Por isso, que a intenção deve ser de ajustar o Estatuto a fim de fazer com que suas leis sejam implantadas com eficácia.
Segundo Oliveira (2012) para Kant, a criança pequena é movida por desejos e ela age de acordo com suas vontades [...], sendo assim uma pessoa que não rege as leis do Estado. Essa fase ele denominou de “menoridade”, a partir do momento que o ser consegue pensar por si só, o mesmo chega à fase da “maioridade”.

A educação é a transição da heteronomia (quando as regras são impostas e obedecidas pelas crianças) para a autonomia (quando o ser reflete por si mesmo as leis, podendo, inclusive, questioná-las, modificá-las e até transgredi-las). (OLIVEIRA, 2012)

Oliveira (2012) destaca que ainda segundo Kant, na educação do ser humano existem quatro passos. O primeiro é o da disciplina que visa impedir a animalidade para que a pessoa consiga domar os seus “estados de selvageria” e aprenda a seguir as regras existentes na humanidade. Segundo é a cultura que consiste na assimilação de conhecimentos que podem oferecer possibilidades. Terceiro é a civilidade que advém das cerimônias sociais, como por exemplo, a gentileza, e o último passo é a moralização que consiste em pensar por si mesmo e é capaz de tomar decisões e agir conforme regras que foram estabelecidas para si e que deverá valer para todos. Portanto, a educação esclarece o homem e o esclarecimento permite que ele faça uso da sua razão para beneficiar a todos.
Segundo Lima (2013) é imprescindível criar ações de políticas públicas que invistam na educação e na qualidade da mesma para que haja um mínimo de disparidades sociais, além de estabelecer leis que sejam impostas e punitivas para todos, sem exceção de classe social. Além disso, é preciso fazer com que o sentimento de vingança da população em relação ao menor infrator não sobreponha essas medidas.
Por fim, de acordo com Lima (2013) e Oliveira (2013), as infrações não podem ser justificadas pelas faltas de oportunidade, entretanto, a falta de sociabilidade escolar, familiar pode ser uma porta de entrada para a violência, por isso é importante ações preventivas que tenha o intuito de ajudar essas pessoas através da educação a encontrar um bom traçado de vida. 
             
Referências:


2013, BOCATO, V.-https://vinibocato.wordpress.com/2013/04/14/especial-razoes-para-nao-reduzir-a-maioridade-penal/  <Acessado em 02/03/2015>.

2013, LIMA, M. –http://social3m1.blogspot.com.br/2013_08_01_archive.html <Acessado em 02/03/2015>.

2013, OLIVEIRA, A. – http://meuartigo.brasilescola.com/educacao/maioridade-penal-eca.htm < Acessado em 02/03/2015>.







segunda-feira, 2 de março de 2015

A homossexualidade como desvio: uma problemática histórica

Por: Jucinara Rodrigues e Maria Eduarda Santos

“Carlos e André mantém relações sexuais às escondidas, todas as noites André pula o muro da casa de Carlos para passarem a noite juntos. Essa relação já dura alguns anos. Eles não querem que ninguém saiba sobre isso porque eles são homens muito influentes na cidade e não gostariam de acabar fazendo tratamento psiquiátrico. No sec. XVII foram registadas 4.419 denúncias de sodomia no Brasil com punições severas, mas no momento desse relacionamento aqui descrito, no século XIX, as coisas mudaram um pouco... Carlos e André são considerados perversos, seres anormais que despertam o interesse da psiquiatria. E hoje? Como eles seriam tratados?”
No livro “A história da sexualidade: a vontade de saber” Foucault traça uma linha genealógica que nos mostra como o discurso sobre a sexualidade vem sendo multiplicado em nossa sociedade através de práticas confessionárias, seja no âmbito religioso, acadêmico ou médico. Mas como a multiplicação desse discurso passa na modernidade, a dar origem aos conceitos de “normal” e “patológico” dentro do âmbito da sexualidade? Como chegamos à conclusão do que é uma perversão?
Vamos começar nossa história fazendo uma viagem no tempo; voltando, chegaremos à Grécia Antiga. Nesse contexto, práticas sexuais entre dois homens aconteciam abertamente à sociedade; os mais velhos mantinham práticas com os mais novos a fim de passar aos jovens conhecimentos sobre a filosofia, o amor e a moral. Apesar das restrições (apenas relações de homens mais velhos com adolescentes eram aprováveis – entre dois adultos não!), é possível perceber uma diferença de interpretação dessas práticas muito evidente se compararmos com os dias de hoje.


Mas como não poderia deixar de ser, chegou o momento na história em que essa interpretação sofreu mudanças: o cristianismo é uma referência que marca essa mudança. A partir de então, os comportamentos homossexuais começaram a ser ditos como fugindo à “lei da natureza” e pecaminosos, e, com o passar do tempo, passaram inclusive a ser estudados incansavelmente pela ciência, pois estas manifestações sexuais eram ditas à sociedade como uma ameaça ao costume moral. Ela passa no século XIX a fazer parte da categoria de perversão que significa: ato ou efeito de perverter, tornar-se perverso, corromper, desmoralizar, depravar, alterar.
Essa tradição ainda perdura até os dias atuais, apesar de por vezes se apresentar em uma roupagem mais sutil (mas nem sempre!). Essa defesa é na maioria das vezes pautada na tradição cristã, sendo comum vermos a Bíblia como referência; mas também acontece de serem trazidos argumentos que dizem dos aspectos biológicos. Não é difícil encontrarmos exemplos na mídia; há não muito tempo atrás, o pastor Silas Malafaia declarou não apenas que a homossexualidade seria pecado, como também que as pessoas escolheriam seguir por esse caminho. Disse: “não existe ordem cromossômica homossexual. O cromossomo de um homem hétero é igual ao de um homem homossexual, assim como o cromossomo da mulher hétero é como o da mulher homossexual. Homossexualidade é preferência, aprendida ou imposta, é comportamental”. (http://www.midiagospel.com.br/religiao/lanna-holder-silas-malafaia-homossexualidade)

Mas há quem defenda o contrário, mesmo dentro do cristianismo; a pastora LannaHolder, que um dia pregou um discurso similar ao de Malafaia, assumiu-se homossexual e fundou uma Igreja inclusiva – ou seja, uma Igreja que não enxerga a homossexualidade como pecado e que, portanto, não precisa ser “erradicada” do indivíduo. Discordando do pastor, Holder disse que “com o homossexual, entendemos que não é uma opção, mas sim uma orientação, que, na maioria dos casos, é irreversível, principalmente se for de nascença. Se eu pudesse escolher, jamais seria lésbica” (http://www.midiagospel.com.br/religiao/lanna-holder-silas-malafaia-homossexualidade).


Pode-se também achar outras opiniões entre grandes pensadores. Foucault, por exemplo, tem outro ponto de vista, que está mais oposta à do pastor; para ele, a moral está deslocada da lógica cristã. O autor diz a moral enquanto “um conjunto de valores e regras de ação propostas aos indivíduos e aos grupos por intermédio de aparelhos prescritivos diversos”. Essas regras e valores estão sendo propostas aos indivíduos o tempo todo, desde o nascimento, explicitamente ou não. Assim, sendo os aparelhos prescritivos que intermediam regras similares para diferentes indivíduos quase sempre os mesmos para grande parte da sociedade, são criados valores e regras massificados, que deixam em segundo plano os aspectos que constituem a individualidade de cada pessoa.
            Contudo, Foucault traz um elemento que diz da escapatória que achamos dentro dos nossos compromissos enquanto sujeito moral. Ao “conduzir-se – isto é, a maneira pela qual se deve constituir a si mesmo como sujeito moral, agindo em referência aos elementos prescritivos que constituem o código”, o sujeito humano amplia e flexibiliza, dentro da rigidez dos valores impostos por seu contexto, as suas possibilidades. Foucault traz um claro exemplo de como o fazemos dentro do âmbito da sexualidade:
“Seja um código de prescrições sexuais que determina para os dois cônjuges uma fidelidade conjugal estrita e simétrica, assim como a permanência de uma vontade procriadora; mesmo nesse quadro tão rigoroso, haverá várias maneiras de praticar essa austeridade, várias maneiras de ‘ser fiel’”.
Épreciso lembrar que nossos valores morais podem se modificar; eles se ancoram em um espaço historicamente e socialmente demarcado. É importante refletir sobre as consequências de certas práticas discriminatórias, práticas essas que constantemente advêm de verdades absolutas e de patologias (perversões) que hoje em dia rodeiam o campo científico.
Lembrando de Carlos e André, será que eles ainda seriam considerados na “perversão”? Talvez esse casal ainda divida opiniões. Mas pode ser útil lembrar das ideias de Foucault: Carlos e André podem estar seguindo uma ética que diz respeito à uma relação ética entre o que é dito como tal pela sociedade e uma relação com si. Assim como podem criar um estigma (que podem se pautar ou não em argumentos cristãos), essas categorias também podem ter um efeito positivo, permitindo aos indivíduos que falem por si e reivindiquem os seus direitos; mas é importante, sempre que nos depararmos com certezas muito concretas, nos lembrarmos de Carlos, de André e das múltiplas possibilidades.

Referências:

FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: ed. Graal, 1985.

MARCONDES, D. Textos Básicos de Ética de Platão a Foucault. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. 3 ed. 2008.


Sobre ser mulher ou tornar-se (?)

Por: Ana Catarina Moreira e Isabel Remigio   

O que significa ser mulher? Ser mãe? Esposa? Dona de casa? Casar com um homem? Ser feminina? Como a sexualidade da mulher é vista? Alguns autores diriam que a sexualidade feminina foi muito marcada na nossa cultura por poderes e saberes, que atravessam os seus corpos, de maneira muitas vezes opressora e controladora. Por que a sexualidade da mulher parece se apresentar de forma tão desigual em relação ao sexo masculino? É uma pergunta que deixa a maioria das pessoas bastante curiosas.
Um filme que retrata um aspecto interessante à respeito do corpo da mulher, e de como ele pode ou não ser utilizado para o prazer feminino, se chama Flor do Deserto[i]. Ele conta a história verídica de uma modelo nascida na Somália, que aos treze anos foi vendida e obrigada a casar com um senhor de 60 anos, onde esta seria a quarta esposa de acordo com a tradição local. Após essa situação, foge para o deserto, onde encontra alguns parentes que a enviam à Londres. Lá encontra uma cultura totalmente diferente e percebe que a sua história não se parecia com a do restante das mulheres. Waris, como é chamada, foi circuncisada na infância, sentia dores e dificuldades ao urinar, mas considerava isto como normal, diante da sua cultura. Por fim, é encontrada por um fotógrafo, se transformando em uma modelo internacional. Em contraste com sua tradição, a descoberta de uma nova realidade a faz querer modificar a sua, iniciando uma luta contra esta tradição e tornando-se embaixadora da ONU (Organização das Nações Unidas).


Atriz que a interpreta no filme Flor do Deserto, Liya Kebede, e Waris Dirie à sua direita.

A sexualidade ou comportamento sexual parece ser bastante acometido por vários fatores que levam a uma moral, conjunto de valores e regras de ação propostas ao indivíduo. Na situação de Waris, esses valores a fizeram enxergar como normal a situação por qual ela passou, porém quando comparada a culturas diferentes, não é bem aceita.
Esta diferença entre culturas podem ser vistas e analisadas de várias formas. Uma delas é através do relativismo cultural. De acordo com Franz Boas, o relativismo cultural parte do pressuposto de que cada cultura se expressa de forma diferente. Dessa forma, trata-se de pregar que a atividade humana individual deve ser interpretada em um contexto, nos termos de sua própria cultura. Assim, de acordo com o relativismo cultural, a mutilação sofrida por Waris se justifica, já que esse ato é praticado há três mil anos na Somália.
Outra maneira de enxergar as diferenças culturais é a partir do universalismo. De acordo com essa teoria a identidade do individuo é formada antes das relações sociais. Ou seja, de acordo com essa afirmação os indivíduos teriam direitos que são inerentes a eles, e que independem da cultura em que estes estejam inseridos. Assim, de acordo com o universalismo, a prática da circuncisão feminina deveria ser extinta independentemente da cultura em que esta prática está inserida. Em geral, os direitos humanos costumam ter uma visão universalista do mundo, condenando diversas práticas que para nós ocidentais, parecem barbaras e sem sentido. Porém seria correto descartar a influência e importância de uma cultura milenar como as das tribos da Somália?
Apesar da polarização da discussão entre estes dois pontos de vista ser algo que ainda hoje ocorre, há outras maneiras de enxergar as diferenças culturais que geram tantas polêmicas mundo a fora. Uma dessas maneiras é enxergar tais diferenças a partir de "óculos multiculturalistas". Sobre o multiculturalismo Boaventura coloca que é pré-condição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política contra hegemônica de direitos humanos no nosso tempo. Boaventura também diz que a superação do debate sobre universalismo e relativismo é essencial, pois segundo o autor, "trata-se de um debate intrinsecamente falso, cujos conceitos polares são igualmente prejudiciais para uma concepção emancipatória de direitos humanos."


Michel Foucault.

Saindo um pouco da ideia do relativismo e universalismo cultural podemos refletir também sobre o conceito de biopoder, introduzido por Foucault[ii] em seu livro "A vontade de saber", primeiro volume da "História da Sexualidade". Apesar de Foucault está falando dos estados modernos ao introduzir tal conceito, podemos utilizá-lo aqui à medida em que há uma justificativa para a circuncisão feminina: a manutenção da pureza da mulher. Esta pureza não parece ter muito a ver com a saúde física da mulher, mas sim com algo subjetivo e intrínseco dessa cultura, como uma forma de controle do corpo e por consequente do prazer feminino que é visto como impuro.
Então, como se deve agir quando encaramos situações as quais não estão de acordo com o que acreditamos? Ou o que nossa cultura não considera correto? A intervenção seria a melhor saída ou deve-se respeitar e aceitar os relativismos? Talvez uma maneira de tentar driblar todas essas tentativas de controle dos nossos corpos seria a tomada de consciência de que, como diria Simone de Beauvoir, não se nasce mulher, torna-se. Então o que significa mesmo ser mulher?



[i] Flor do Deserto está disponível em:  https://www.youtube.com/watch?v=BrZEvSrGUpQ

[ii] FOUCAULT, M. História da sexualidade 1. Ed. Graal - RJ, 1985.

Regulamentação da Cannabis e a Guerra do tráfico.

Por: Diego Henrique de Oliveira


Por que o tema “ Liberação da maconha” está sendo tão discutido no Brasil recentemente?
O Brasil vive uma guerra contra o narcotráfico que vem matando, causando terror em comunidades mais carentes como nos morros do Rio de Janeiro. Em meio a essa crise na segurança, um projeto de lei vem tentar nortear uma solução a essa questão. Em meio à crise na guerra contra o narcotráfico, o deputado Sr. Jean Wyllys propôs regular a produção, a industrialização e a comercialização de Cannabis, derivados e produtos de Cannabis com o projeto de lei 7270/2014. Para deputado, “guerra às drogas” é um fracasso que apenas criminaliza jovens da periferia. “O Parlamento brasileiro precisa reconhecer que a política de ‘guerra às drogas’ é um fracasso e só produz violência, morte e a criminalização da pobreza”, acredita.
A Cannabissativa comumente chamada de maconha tem sido um tema abordado em músicas, como a de Marcelo D2 abaixo.


 “Eu canto assim porque eu fumo maconha
Adivinha quem tá de volta explorando a sua vergonha[...]
[...]Então por favor, não me trate como um marginal                           
Se o papo for por aí, já começamos mal
Quer me prender só porque eu fumo Cannabis Sativa”
[...]

Trecho da música“Queimando tudo” - Marcelo D2


Também o tema é visto em filmes, livros, centro de debates e passeatas como a Marcha da maconha. No site oficial da marcha nos encontramos a seguinte descrição:
“O Coletivo Marcha da Maconha Brasil é um grupo de indivíduos e instituições que trabalham de forma majoritariamente descentralizada, com um núcleo-central que atua na manutenção do site marchadamaconha.org e do fórum de discussões a ele anexado. Apesar de existir tal núcleo, todo o trabalho é realizado de forma horizontal e coletiva entre uma rede de colaboradores, no qual os textos, artigos e todo tipo de trabalhos são compartilhados de acordo com as necessidades, disponibilidades e engajamento de cada um.”(marchadamaconha.org)
         A marcha da maconha é o movimento mais forte em relação ao tema. Todo ano acontece essa marcha. Assim, é mantido o objetivo de tocar no assunto seja pela mídia, seja pela população em geral. Começou em 1994, e acontece em diversos lugares do mundo.
         O ex-presidente da república Fernando Henrique Cardosoem entrevista se pronuncia a favor da legalização:
“Há dois anos, em minha qualidade de presidente da Comissão Global de Política sobre Drogas, realizei um chamado público pela descriminalização do consumo de drogas e pela experimentação com modelos de regulação legal.”

Mas seria ético a comercialização da Cannabis que hoje a prática é criminosa?
Como responder essa questão, sem saber primeiro o que é Ética?
Começamos a responder sobre o que seria ética através do filosofo grego Aristóteles. Ele escreveu bastante sobre o tema, mas podemos sintetizar que no texto Aristotélico, em que o termo ética que se assemelha ao atual. No trecho da obra Textos básicos de ética de Danilo Marcondes que para Aristóteles. “A ética é um estudo sistemático sobre normas e os princípios que regem a ação humana e com base nos quais essa ação é avaliada a seus fins.”
         Ele continua seu discurso descrevendo sobre a moral:
[...] a excelência moral é um meio-termo, e em que sentido ele o é, e que ela é um meio-termo entre duas formas de deficiência moral, uma pressupondo excesso e outra pressupondo falta e que a excelência moral é assim porque sua característica é visar o as situações intermediarias nas emoções e nas ações. (Aristóteles)
         Para Aristóteles a felicidade é alcançada através da moderação.
Platão relaciona a ética ao autocontrole. “O indivíduo que age de modo ético é aquele que é capaz de autocontrole, de “governar a si mesmo”, como vê-se em Górgias.
Pois bem, também sobre o tema, encontramos em Hume um pensamento que a mente humana só é capaz de qualquer ato pela percepção.
A mente nunca exerce qualquer ação que não possamos incluir sob o termo percepção; consequentemente esse termo não é menos aplicável aos juízos pelos quais distinguimos entre o bem e o mal moral que a todas as demais operações da mente. Aprovar um caracter e condenar outro não passam de duas percepções diferentes.” (Hume).
Hume nos traz a reflexão que como operações mentais, dependem da percepção humana para se propor, como ele define, o que seria Vicio ou virtude.
Como poderia então, saber se o que consideramos hoje como crime, em uma outra sociedade, em outros tempos, com outra realidade sócio histórica, seria permitido e até, por que não, estimulado? Bem sabemos que as leis sofreram mudanças radicais se comparada com o império romano, ou mais perto, a escravidão que era um ato permitido e apoiado por tantas sociedades, hoje é impensável e é crime hediondo. Assim não poderia acontecer com a Cannabis, vulgar maconha?
Avançamos, ao conceito “homem do futuro”.
“Na obra de Nietzsche de 1886, ele se questiona sobre a dicotomia do bem/mal na qual se baseia toda moral tradicional do conhecimento[...]esses conceitos que são tratados como objetivos da e derivados da razão universal nada mais são do que fruto dos sentimentos e instintos humanos, resultados da história, da cultura e da educação. Cabe então libertar o homem desses preconceitos e dos valores         tradicionais e fazê-lo redescobrir os valores afirmativos da vida que permitem o desenvolvimento do que há de mais nobre em sua natureza e possibilitam que cada m seja capaz de superar a sim mesmo em direção ao “homem do futuro””.
         Nesse trecho podemos refletir que a moral é uma construção humana, e sobre a oposição Nietzschiana contra o dualismo iniciado por Descartes, no discurso do Método.
A possível aprovação do projeto de lei evoca uma mais nítida ruptura da união estado/religião e maior afirmação de estado Laico, já que a maior defensora da reprovação do projeto são representantes religiosos que acusam o estado de permissivo e até líderes religiosos que não são parte do legislativo evocam discursos em seus canais de mídia para seus fiéis e fazem campanhas massivas para interferir no que diz respeito aos legisladores. O Brasil é um estado laico, em teoria. A história nos mostra que desde sua fundação, houve uma opressão católica aos primeiros ocupantes das terras, os índios. Desde então a igreja influencia o comportamento político até os dias atuais. Está evidente que a ruptura do Estado/religião é necessária para o amadurecimento das leis e maior exercício da Ética pelo Estado.



Referências:
Textos básicos de ética: de Platão a Foucault / Danilo Marcondes – Rio de Janeiro: Zahar, 2007
http://www.vagalume.com.br/planet-hemp/queimando-tudo.html,Queimando tudo – Planet Hemp, acessado em 21/10/2014
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/108699/FHC-abra%C3%A7a-de-vez-a-libera%C3%A7%C3%A3o-da-maconha.htm acessado em 21/10/2014
http://www.votenaweb.com.br/projetos/plc-7270-2014, Regulamentará o comércio de Cannabis (maconha).acessado em 21/10/2014