quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O video game e a influência sobre a violência e a formação ética.

Por: Wellington Calixto Leão & Messias Nascimento.

         Vivemos em um mundo que se destaca pelo grande número de estímulos e informações produzidas a todo o momento vindo dos mais remotos lugares de nossa sociedade, de forma geral é através das mais diversas formas de mídias que essas informações chegam a nós, que no meio de todos esses estímulos que já estão tão naturalizados, podemos muitas vezes não conseguir selecionar aquilo que nos é benéfico e perceber de que forma essas informações estão de fato nos influenciando no cotidiano. Considerando que por definição, mídia é todo e qualquer meio utilizado para transmitir e/ou comunicar dados para uma finalidade qualquer, vamos nos ater neste texto, a uma forma de mídia que cada vez mais vem se desenvolvendo e ganhando destaque: os jogos eletrônicos.
         Os video games possibilitam as pessoas a se colocarem em um mundo novo, podendo esse mundo ser baseado em fantasia ou ser feito de modo a simular da forma mais real possível, aspectos de nossa realidade. Nesse mundo criado, o indivíduo tem muitas vezes, a depender da temática do jogo, a possibilidade (geralmente recompensada) de serem ou estarem fazendo tudo que devido a nossa ética e moral, seria reprimido ou impossibilitado de ser feito. Com o avanço tecnológico, que cada vez mais possibilita um nível de simulação próximo ao real e o grande número de pessoas de todas as idades, que essa plataforma atinge, essa forma de mídia vem sendo vítima de muitas discussões e estudos, e muitos deles dizem respeito a seguinte questão: video games influenciam as pessoas a serem violentas? Qual será a consequência na formação ética de um indivíduo?

         Considerando a Ética de Sócrates, que dizia que a ordem e coesão garantiam a promoção da ordem pública, a ética deveria respeitar as leis, à coletividade, sendo então a ética uma questão do bem coletivo, e do equilíbrio social. E também trazendo a ética de Aristóteles, que considerava que o principal objetivo ético era o bem estar humano e assim como Sócrates considerava as virtudes éticas sendo: habilidades emocionais e sociais (o auto governasse), justiça, coragem etc., tendo tudo isso em vista, iremos discutir se a moralidade, conceitos éticos e emoções que os jogadores são expostos no cenário virtual, de fato refletem ou influenciam nossos valores fora do jogo.

Cada novo jogo nos leva a um mundo todo novo, que possuem personagens e regras a priori delimitadas, com seus próprios objetivos. No caso de jogos violentos, o jogador é colocado de forma geral em um contexto o qual a violência ou o ato de burlar as regras é um ponto necessário para a evolução de sua jornada ou cumprimento de seu objetivo, vale ressaltar que apesar de criarem um universo novo, em sua maioria esses universos são baseados ou até usam literalmente cenários reais e tendem a funcionar de forma semelhante ao nosso próprio universo palpável. O que nos leva a refletir se essa aparente inversão dos conceitos de certo e errado, pode vir a transgredir o mundo virtual e se misturar aos valores do mundo real, e passem a dessensibilizar ou criar tendências violentas em usuários, será que uma criança que cresce jogando um jogo em que ela precisa matar para conseguir as coisas, não tenderá a repetir esse comportamento em seu contexto diário? 

Uma boa parcela da sociedade e a própria mídia têm considerado os video games um grande fator de influência à violência e por consequente também, a uma má formação daquilo que é considerado ético. Não é incomum vermos casos de crimes, principalmente aqueles que envolvem crianças e adolescentes, serem diretamente relacionados ao fato desses jovens terem o costume de jogar, por exemplo,um menino que supostamente matou a família, costumava jogar um jogo chamado “assassin’screed”, jogo em que você encarna um assassino profissional, ou uma criança de 8 anos que matou a avó, disse que foi um tiro acidental, porém ele tinha terminado de jogar GTA IV antes de acontecer a tragédia. Existem também estudos realizados por Meneghetti com grupos de CounterStrike CS (um famoso jogo em que terroristas e contra terroristas se enfrentam) demonstram que virtualmente, uma das emoções mais intensas que o ser humano poderia experimentar, a última fronteira do limite social, moral e ético é matar ou ter a própria vida subtraída por alguém. De modo que a vida ganha outro sentido no jogo e matar, nesse cenário, passa a ser apenas um procedimento necessário para cumprir a missão e seguir em frente, que pode ser visto como uma utilidade, dessa forma podendo dessensibilizar os jogadores, ao coloca-los em constante contato com esse limite que é matar e morrer.
É Valido ressaltar, que é necessário ter um olhar cuidadoso antes de condenar esse tema, Quantas pessoas no mundo jogam vídeo game? Quantas chegam a cometer algum delito? podemos não ter um dado relacionando esses fatores, mas podemos utilizar um dado dos Estados Unidos  como exemplo, estados unidos, onde 91% das pessoas de 2 à 17 anos jogam vídeo game, é de se imaginar que a sociedade tenderia a um caos generalizado, esse dado nos indica que não pode haver uma relação necessária entre jogar vídeo game e tornasse violento, ou  uma pessoa que irá degradar os princípios Éticos de seu contexto.     

         É importante entender que antes mesmo de se tornarem jogadores, os indivíduos, desde o nascimento são incluídos em uma cultura que detêm conceitos estabelecidos do que é certo e errado, bem e mal, daquilo que é aceito no contexto em que vive, e que existe uma diferença visível entre está vivendo algo e está acessando uma outra realidade através de um equipamento, constituindo assim uma barreira entre o real e o virtual. Além de que Mesmo nos jogos mais violentos, em que o jogador é incitado a agir da forma menos moral possível para que possa continuar, ganhando recompensas como dinheiro que lhe permitirão a ir melhor no jogo, usando GTA como exemplo, o mundo criado em que o game se passa, está claramente baseado no mundo real, de forma que mesmo a pessoa que joga sendo recompensado com dinheiro e a possibilidade de seguir no enredo, quando mata ou rouba, a polícia irá perseguir o jogador, podendo esse ser preso,sofrendo diversas consequências por isso, da mesma forma acontece nos outros jogos citados, cada um de acordo com o contexto. De forma que mesmo virtualmente há punições análogas as reais, fica claro que o personagem faz o papel de alguém que está fazendo algo errado, e que existe algo a pagar por isso. Isso nos indica para uma observação importante, de forma geral, mesmo que com suas próprias regras e contexto, os conceitos de moral e ética que permeiam esses jogos, são análogos aos que permeiam nosso dia a dia.
Diante do discutido, entendemos o quão complexo é esse tema, e que é necessário um olhar mais detalhado por sobre as questões, além da geração de cada vez mais dados para serem estudados. Não se pode dizer que não há influência alguma desses jogos no comportamento das pessoas, ou em sua formação ética, porém, não existe uma relação determinante entre ambos.
         Por tratar-se de um assunto importante para a sociedade, e considerando que cada vez mais os videogames se popularizam, e atingem um nível de simulação da realidade mais fiel, é fundamental ter um cuidado e uma discussão continua sobre esse tema. Entender em que nível existe influencia ou não, se mesmo sendo punido é recompensador, se a naturalização da violência com o contato com cenas do tipo, não tende a tornar os sujeitos insensíveis, em que idade é interessante que se comece a jogar (os jogos são censurados por idade, mas não é comumente respeitado), até que ponto, o nível aumentado de realidade que os jogos estão alcançando conseguem causar emoções reais no indivíduo. Para que dessa forma nem se condene sem motivos, mas também que não se deixe passar fatos importantes despercebidos.

Referências:

Evef Agencia web. (s.d.). Fonte: www.evef.com.br/midia.php

Marcondes, D. (2009). Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro.

Ramos, D. K. (2013). Jogos eletrônicos e aspectos morais: a borda entre o virtual e o atual. Conjecutura, 105-119.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Educação: um antídoto à mera obediência

Por: Nathália Christine Mendonça Nery,
Sofia Holmes Carvalho e
Tamara Rodrigues Araújo

Constantemente nos questionamos por que as coisas tristes acontecem ou por que fazemos algo que possivelmente vamos nos arrepender. Se você está estudando e sente que está na hora de fazer um lanche, vai até a cozinha e se depara com um bolo de rolo saído do forno, o come mesmo sabendo que precisa manter a forma para se encaixar nos padrões de beleza estabelecidos pela sociedade. O sentimento de culpa surge com o arrependimento, e você geralmente é tomado pela ideia de que não há como se livrar desses desejos, tirando de si a responsabilidade do seu ato. Por outro lado, existem meios de livrar-se dos quilinhos a mais através de uma alimentação controlada aliada a prática de exercícios físicos regulares, solução essa que só depende de um maior domínio sobre seus desejos.
O exemplo acima origina duas vertentes de deliberação: a primeira, que tenta buscar ideias para explicar os acontecimentos a partir da tese de que não existe liberdade para decidirmos nossa própria conduta devido a uma força superior que a tudo manipula; e a segunda, que garante que somos responsáveis por nossa conduta e que podemos mudar o sentido dos fatos de acordo com nossas atitudes, sendo assim, uma necessidade moral.
Quando falamos de moral, estamos nos referindo ao conjunto de valores, de normas e de noções do que é certo ou errado, proibido e permitido que ditam as regras sociais de convivência, de forma que um ser moral é aquele que é capaz de seguir e se adequar as regras da sociedade. A grande questão é identificar se o importante é seguir as regras sem significá-la e apenas obedecê-la; ou se é possibilitar a liberdade de cada um de seguir o que se acha importante para a sociedade.
Trazendo esse contexto para o âmbito educacional, é possível observar que as escolas preconizam uma educação “desmoralizante”, pois ensinam mais a obediência do que a vivência em liberdade, originando a falsa ideia de que o cumprimento de regras é diretamente proporcional à responsabilidade. Esta, diferentemente de submissão, exige a consciência da norma obedecida, seus valores e sua posição como sujeitos de uma relação moral.
O dilema acima nos remete aos ideais pregados pelos filósofos Platão e Aristóteles, que em seus discursos tematizaram as principais questões éticas que perduram até os dias atuais. Agir com a reta-razão para o atingimento do bem é, segundo tais filósofos, uma ação politicamente virtuosa. Para Platão, o governo ideal é aquele em que o filósofo, por conhecer as coisas em sua essência, estabelece as leis, cabendo aos cidadãos apenas a obediência, uma vez que não possuem a habilidade desse conhecimento. A concepção de virtude, adormecida em cada uma das pessoas, seria a de obediência formal às normas, sendo estas necessariamente boas. No cenário escolar, é possível comparar tal pensamento ao cumprimento das regras propostas pela instituição, supostamente boas e corretas.
Por outro lado, Aristóteles defende que aquele que apenas obedece não age necessariamente de maneira moralmente relevante, exigindo-se dele a consciência do bem no agir moral. Para o filósofo, e ao contrário de Platão, a virtude resulta da prática, do exercício do bem de acordo com a reta-razão. Essa razão refere-se ao meio termo que podemos optar ao deliberar sobre algo, é a opção situada entre os extremos e que nos dirige às virtudes.
Ao pensar a questão das normas, é possível refletir: será que é tão merecedor de prêmios aquele que obedece a uma lei sem sequer ter a mínima noção do que significa sua obediência? Para Platão sim, pois apenas os filósofos, uns poucos dentre os cidadãos da polis, poderiam de fato ter consciência dos valores e consequências de seus atos. Já Aristóteles responderia não, pois acreditava que todo homem é dotado de razão e, por isso, capaz de compreender suas ações e escolhas.
A educação para a moral, que nos exige também viver a liberdade e as angústias trazidas por esta, não se satisfaz com a simples obediência, sem saber dos porquês e das consequências. Não basta apenas indicar o certo e o errado, mas instigar a tomada de consciência por parte dos alunos, através da liberdade moral que, por sua vez, implica vivenciar essa livre escolha. Em um exemplo grosseiro, podemos comparar com andar de bicicleta: por mais que existam instruções, o aprendizado se efetiva com a prática e com a experiência das quedas e dos movimentos falhos até alcançarmos o equilíbrio.
Educar para a moral, nesse sentido, exige um projeto e atitudes que extrapolem a sala de aula, como a experiência do exercício da liberdade em que o aluno é tratado com respeito e confiança, mas a ele também são dadas responsabilidades. O papel da instituição, além de garantir essa liberdade, seria o de valorizar esse processo de demonstração de consciência dos valores morais envolvidos nas atitudes praticadas pelo aluno e pelos outros.
Conhecer as regras e valores da sociedade à qual pertence faz parte desse processo de conscientização, mas ainda é preciso levar em conta o aspecto social envolvido. Como campo dinâmico, a ética não se constitui de um livro com as verdades do bem e do mal, mas em constante mudança em todo e qualquer grupo social. Compreender esse movimento de construção e desconstrução nos torna hábeis a reconhecer que não apenas os professores e demais responsáveis pelas instituições de ensino sejam educadores do comportamento moral, mas todo indivíduo que componha o espaço social.

Referências
- BARROS FILHO, Clóvis de et al, Os limites do fatalismo. Coleção ética: pensar a vida e viver o pensamento, São Paulo: Duetto Editorial, v.3, p. 16-21, março/abril. 2011.
- MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. 5 Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

Traição?

Por: Gabriela Grangeiro Dias,
Tamires Brandão de Siqueira e Sousa
e Adeilson Rabelo.

Uma mulher caminha pela rua despretensiosamente até que esbarra em um homem que estava parado olhando um mapa. Entre os pedidos de desculpa que geralmente acompanham esses acontecimentos, ela percebeu que o conhecia e foi reconhecida também. Tratava-se do primeiro namorado que tivera quando era jovem e que acabara de se mudar para aquela cidade, mas estava perdido. Ela então se ofereceu para acompanha-lo até seu destino e seguiram conversando como velhos amigos que a muito não se viam. Chegando ao local, ambos perceberam que aquele momento tinha sido agradável demais e combinaram de tomar um café no outro dia.
No dia seguinte, passaram horas conversando e sequer perceberam. Ele a acompanhou até o carro e naquele minuto havia uma leveza diferente no ar, uma sensação que fazia com que os dois sorrissem sem motivos aparentes. Então ele a convidou para saírem novamente e ela, embora um pouco receosa, aceitou. Assim, os dias passaram virando rotina o que havia acontecido de forma depretenciosa e ela começou a se questionar se o que estava fazendo era certo. Ela estava casada há anos, seu marido não fazia ideia do que estava acontecendo e ela não sabia o que fazer. Seu casamento não era mais como antigamente, ela decididamente tinha sentimentos pelo seu antigo namorado, mas sabia que faria seu marido sofrer se pedisse o divórcio. Ela também o faria sofrer se o traísse, no entanto, ele sofreria apenas se ficasse sabendo da traição...
A partir dessa história queremos dar ênfase à questão de o que é a traição. Considerando a definição de Santo Agostinho (apud MARCONDES, 2007) de que a liberdade individual “é a característica do ser humano que o torna responsável por suas escolhas e decisões, por isso pode agir de forma ética ou não”, é possível perceber que a mulher encara duas opções de como lidar com a situação. O fato de ela não ter clareza do caminho que deve tomar traz uma reflexão do que seria o correto ou não.
         Do ponto de vista ético, onde está implicada a traição? Ao falarmos em relacionamentos, muitas pessoas podem considerar que o ato de trair ocorre quando alguém quebra um laço afetivo que foi acordado entre as duas partes de uma relação, mesmo que implicitamente. Ou que a traição é quando o outro não espera certa atitude ou comportamento de uma pessoa em que ele depositava confiança. Dessa forma, a maioria das pessoas considera apenas a traição do um para o outro, no entanto, não existiriam outras traições a considerar se olharmos de forma diferente?
         No caso da história, a mulher já não era feliz em seu casamento e encontrou uma oportunidade de transformar esse sentimento de infelicidade, ao viver presa em um relacionamento que não gerava mais frutos, em um sentimento de liberdade ao entrar em uma relação com novas surpresas e prazeres. Em contrapartida, não se encontra clara de que maneira fazer isso sem achar que estava traindo o marido.
Por um lado, parece que trair o marido é uma ação tida como errada socialmente e do outro lado encontra-se a honestidade de assumir para seu cônjuge que está envolvida emocionalmente com outra pessoa e que deseja a separação, uma ação mais aceita pelos valores morais regidos pela sociedade.  Na concepção cristã, a quebra do que foi "acordado" pelos cônjuges consiste, aos olhos da moralidade religiosa, em algo "errado", sendo mal visto (dentro das normas da religião), podendo gerar consequências de carácter negativo na vida social da pessoa.
Devido às implicações sociais da decisão a ser tomada, a mulher possivelmente precisará medir as consequências de suas ações e estar disposta a enfrentar críticas, pois todo ato é passível de julgamentos e esses irão ser feitos com base nos valores éticos e morais de cada pessoa que o faz. Mas e se ela não for cristã? Ela vai sofrer preconceito pelas crenças que predominam na sociedade? E se na crença dela isso for aceito? Ela deveria deixar de lado as próprias crenças para atender uma demanda social? Mas isso não seria trair o que ela acredita?
Decidir separar-se do marido é uma escolha que deve ser avaliada de todos os ângulos e que deve estar alheia aos julgamentos sociais, pois é algo que só diz respeito à mulher e a quem está implicado nessa situação. Ela estaria, então, fazendo uso do seu livre-arbítrio? E se esta escolha provocar o sofrimento do companheiro dela, então até que ponto o livre-arbítrio dela fere o próximo? Seria certo exercer a sua liberdade de escolha, independente do dano que isso causaria ao outro?E ao trair ela também faz uso do seu livre-arbítrio?
De acordo com o pensamento de Santo Agostinho, dessa forma, possivelmente ela está sendo guiada pela paixão, fato que afirma ser o gerador das falhas e erros. Mas o ponto principal dessa discussão é o fato de que a mulher está indo em busca de sua felicidade e bem estar, pois o seu casamento não estava mais prazeroso como antigamente e agora ela está envolvida em uma nova paixão. Portanto, o que deve ser considerado falha ou erro? Permanecer infeliz no casamento para não magoar o outro, mas se magoar ou escolher a própria felicidade?
Para Santo Agostinho em O Livre-Arbítrio
“O mal moral é o pecado. Esse depende de nossa má vontade. [...] a vontade deveria tender para o Bem supremo. Mas, como existem muitos bens criados e finitos, a vontade pode vir a tender a eles e, subvertendo a ordem hierárquica, preferir a criatura a Deus, optando por bens inferiores, em vez dos bens superiores. Sendo assim, o mal deriva do fato de que não há um único bem, e sim muitos bens, consistindo precisamente o pecado na escolha incorreta entre esses bens.”
Se existem vários níveis de bem, qual seria a escolha considerada um “bem superior”? E esse bem superior faz bem para quem? De que forma é possível definir se a opção feita é boa ou ruim? Considerar o próprio sofrimento seria egoísmo ou autopreservação? E considerar apenas o sofrimento do outro, esquecendo-se de si mesma, seria altruísmo ou estupidez? Talvez pensar na situação seja extremamente simples quando se observa as coisas de um único ângulo, mas e se você der a volta e tentar uma nova perspectiva? Já diria Fernando Anitelli em Amadurecência: “Nunca deixar de ouvir com outros olhos”.

Referências
AGOSTINHO, S. O Livre-Arbítrio. Tradução de OLIVEIRA, N. A.  São Paulo: Paulus, 1995.
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética - De Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

Música: Amadurecência - O Teatro Mágico. Composição: Fernando Anitelli

Os arrastões de Abreu e Lima à luz da Ética para Platão

Por: Mariana Sobral e Virginia Fernandes

O presente texto tem por objetivo fazer uma relação entre os saques e arrastões acontecidos na cidade de Abreu e Lima, Pernambuco, em maio de 2014 com o que Marcondes (2007), doutor em filosofia pela Universidade de St. Andrew, Grã-Bretanha, professor titular da PUC-Rio e adjunto da UFF, apresenta na sua obra como sendo as virtudes para Platão. Apresentaremos também, brevemente, uma introdução dos sentidos da Ética para melhor compreensão do que será abordado.
Na noite do dia 13/05/2014 policiais militares e bombeiros entraram em greve em todo o estado de Pernambuco. Durante esse período, o município de Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife presenciou um cenário de grandes saques e depredações. As câmeras de segurança espalhadas pela cidade registraram os momentos em que dezenas de pessoas saquearam as lojas do comércio da cidade. Era possível ver pessoas de todas as idades saindo das lojas com móveis e eletrodomésticos nos ombros sem a menor inibição, mesmo quando a mídia local chegou para fazer a cobertura do acontecido.
O fato repercutiu em todo o país, chocando bastante a população devido a grande proporção tomada pelos arrastões, além da quantidade de pessoas envolvidas neles. Dessa forma, o sentimento daquelas pessoas não era de estarem roubando, já que “todo mundo” estava fazendo, mas sim de uma oportunidade para conseguir ter alguns bens de consumo sem pagar por eles e sem sofrer punição ou represália por isso.  Assim, o que nos chamou atenção para nos debruçarmos sobre esse assunto foi o seguinte questionamento: será que as pessoas só são “honestas” ou “éticas” por imposição?
O termo Ética é aparentemente simples, mas sua definição exige cuidado, pois, deve-se levar em consideração os aspectos socioculturais de determinada realidade antes de utilizá-la. Considerando que cada sociedade terá seus princípios éticos, e estes podem variar com o tempo, são consequências de um dado momento ou circunstâncias que a comunidade esteja vivenciando.
Diferentes filósofos e autores escrevem sobre ética e os seus princípios. Marcondes (2007) a distingue em três dimensões: sentido básico ou descritivo, sentido prescritivo ou normativo e sentido reflexivo ou filosófico. O primeiro seria um conjunto de costumes, hábitos e práticas de um povo. O sentido prescritivo estaria relacionado à ética como um conjunto de preceitos que estabelecem e justificam valores e deveres. E a última dimensão é descrita como sendo uma reflexão sobre a ética, seus fundamentos e seus pressupostos.
Trazendo esses conceitos para a nossa sociedade e exemplificando com o ocorrido em Abreu e Lima, pode-se dizer que o sentido ético básico dos moradores deveria ser, entre outros, respeitar a propriedade privada e pagar para obter qualquer item de consumo. Uma das dimensões prescritivas seriam as leis e regras que ajudam a reforçar os valores presentes na comunidade. Entretanto, quando as figuras que, supostamente representam o cumprimento dessas leis e deveriam ser responsáveis pela manutenção da ordem, ficaram ausentes, de nada adiantaram os princípios básicos e prescritivos da ética para algumas pessoas, já que elas apenas os ignoraram para se autobeneficiar. 
Marcondes (2007), em seu livro Textos básicos de ética dedica um capítulo aos pensamentos de Platão (428-348 a.C.). Nele, o autor aponta para o conceito de Virtude como sendo inata, no sentido de que, ou a pessoa nasce com esse “dom”, ou ela não terá ele, cabendo, ao filósofo despertá-lo nas pessoas. Assim, de acordo com esse pensador, aquelas pessoas que não possuíam a virtude agiam de forma “bárbara”, principalmente movidas por seus impulsos, eram verdadeiros “selvagens”.Platão considerava que ser ético estava diretamente relacionado ao autocontrole, à capacidade do sujeito de se autogovernar. É importante considerar, também, o contexto social em que este pensador estava inserido, isto é, não existiam leis e normas que regulamentassem o comportamento das pessoas, como nos dias atuais.
Os saques de maio de 2014 nos fizeram refletir sobre a relação honestidade-punição existente na sociedade, quão frágil podem ser os valores éticos compartilhados numa comunidade quando as pessoas não estão sob o controle dos órgãos de poder, levando a comportamentos que ferem tais valores. À luz de Platão, podemos inferir que as pessoas, no momento em que tiveram a oportunidade de obter aqueles itens de consumo (hoje em dia colocados como essenciais) criou uma ânsia tão forte nos indivíduos que eles não mais se autogovernaram diante deste sentimento consumista e da “oportunidade” de satisfazê-lo.
Em seu texto, Marcondes (2007) aponta para uma citação de Glauco, que afirma: "o homem bem toma o mesmo caminho que o injusto, este impulsionado a querer sempre mais, impulso que se encontra em toda natureza, mas ao qual a força da lei impõe limites" (p.30). Ou seja, para ele, o homem só é justo por imposições. 
A partir disto podemos inferir que o que distingue o justo do injusto seria sua submissão ou não à lei, como exemplificado com os saques de Abreu e Lima. A ausência da polícia e com isso a “pseudo-liberdade” de se fazer o que quisesse sem ser punido, “fragilizou” o senso de justiça daquelas pessoas. Já que, com os policias em greve, supostamente não sofreriam sansões ao irem de encontro às leis e regras, não resistindo à tentação de tomar o que pertence a outro, bem como se adequar a lógica capitalista que atribui valor pessoal ao que você possui e não ao que você é. Adquirindo, a partir disso, um status ou prestígio diante das outras pessoas.
O que também nos chamou atenção foram os comentários que surgiram como crítica de que muitos dos indivíduos que participaram do saque aparentemente não precisavam dos produtos saqueados, pois, grande parte do que foi levado eram coisas supérfluas como televisão, celulares etc. Desse modo, nos questionamos o que realmente é supérfluo no nosso modo de viver atual. Já que hoje os equipamentos eletrônicos de última geração são fundamentais no nosso dia a dia. Assim, esses dispositivos tornaram-se imprescindíveis, além de gerar um sentimento de valor sociocultural positivo de quem os possui.

Platão (380 a.C), em seu mito da carruagem, presente no livro A República, compara a alma do homem a uma carruagem puxada por dois cavalos: um branco, que representa a inteligência e um negro, representando as paixões. O cocheiro, que conduz a carruagem, é análogo à Razão. Dessa forma, o homem deve aprender a equilibrar os dois “cavalos” para que seja possível se guiar pelo caminho do bem e da verdade. Nesse sentido, as pessoas que saquearam as lojas para se satisfazerem, agiram de modo instintivo, perdendo as rédeas do cavalo branco.
A lógica das relações atualmente permitiu que esse evento ocorresse, devido à reificação do ser, ou seja, estamos nos relacionando com as coisas materiais e usando as pessoas.  Pelo fato dos objetos terem ganhado tanto valor pessoal, a lógica de consumo se alterou. Hoje a relação não é mais: valor de uso gera valor de troca, compra-se pelo status, por vezes sem utilidade nenhuma.

REFERÊNCIAS
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
PLATÃO. República. Rio de Janeiro: Editora Best Seller, 2002. Tradução de Enrico Corvisieri.


O direito de ir e vir e os protestos sociais

         Por: Hannay Castro
Sony Souza

Thomas Hobbes (2006), filósofo inglês da Idade Moderna, dizia que o estado de natureza humano é um risco a sobrevivência da própria espécie e que as instituições que regulam o comportamento humano e as ações do homem são essenciais para evitar o caos e a extinção da espécie humana. Pensar sobre o agir humano e o papel das instituições na regulação desse agir quando nos deparamos com as questões relacionadas ao direito de ir e vir e dos protestos sociais é medida que se impõe diante de uma difícil realidade social que vivenciamos nos dias atuais.
                   Como sabido, o direito de ir e vir é parte integrante do direito à liberdade pessoal. É direito fundamental inerente às características essenciais da natureza humana. Logo, toda pessoa tem esse direito reconhecido como possibilidade de exercício. Esse direito pertence ao grupo denominado por Norberto Bobbio (1992) de "direitos de primeira geração", colocado que está dentre os direitos à vida, à dignidade humana, à segurança, à liberdade de manifestação do pensamento, à liberdade de consciência, de crença, de associação e de reunião.
                   Nos tempos atuais, percebe-se com frequência a interferência no ir e vir por certos grupos, maiorias, minorias de pessoas protestantes. Como também constata-se inexistir preocupação com o direito de locomoção de um indivíduo, de um grupo ou de uma determinada coletividade. A instabilidade inerente à dinâmica de certos grupos sociais, especialmente quando se instalam regimes de exceção e/ou totalitários, afeta todos os direitos humanos e, especialmente, o de livre circulação.

                   Em nossa na sociedade, já se tornaram corriqueiros os eventos de protestos, pautados no direito à manifestação, se sobrepondo ao direito de ir e vir e, por consequência, também ao direito à vida, o qual é muitas vezes prejudicado quando ambulâncias têm dificuldades para transitar nas vias importantes de trânsito.
                   Não podemos, à primeira vista, levianamente marginalizar esses movimentos. É precisar considerar que os motivos pelos quais eles acontecem possam ser até válidos, não obstante, os meios para essas promoções, numa cognição sumária, possam nos parecer inviáveis, por tê-los, em princípio, como ultrajar o direito de ir e vir da pessoa.
                  Dentro desse diapasão, é oportuno frisar que a ética é um conjunto de normas morais pelas quais as pessoas devem orientar o seu comportamento no meio social em que vive e convive com os outros. A formação de uma consciência ética não envolve somente um indivíduo, uma minoria ou uma maioria, mas toda a sociedade como um todo. A toda sociedade cabe uma consciência ética e todos indivíduos que dela fazem parte devem agir seguindo um conjunto de valores que norteiam a vida do ser humano.
                   Frente a esse cenário social, como devemos conceber a ética ou agir ético agir ético e garantir a todos uma convivência social pacífica e que inclua a todos?
                   Para Aristóteles, a ética se inicia com o estabelecimento da noção de felicidade. Neste sentido, pode ser considerada uma ética de desenvolvimento humano por buscar o que é o bem agir em escala humana, o agir segundo a virtude. A felicidade é definida como uma certa atividade da alma que vai de acordo com uma perfeita virtude.
                   Aristóteles (2012) define a virtude moral como disposição – já que não podem ser nem faculdades nem paixões – para agir de forma deliberada e a disposição está de acordo com a reta razão. A virtude moral consiste em uma mediania relativa a nós. Após estabelecer a virtude moral como uma disposição – héxis – ou seja, como se dá o comportamento do homem com relação às emoções.
                   Segundo Aristóteles (2012), há duas espécies de virtude e o que a distingue uma da outra é a mediania. A virtude intelectual é adquirida através do ensino, e assim, necessita de experiência e tempo. A virtude moral é adquirida, por sua vez, como resultado do hábito. O hábito determina nosso comportamento como bom ou ruim. É devido ao hábito que tomamos a justa-medida com relação a nós. Logo, a mediania é imposta pela razão com relação às emoções e é relativa às circunstâncias nas quais a ação se produz.
                   Para o filósofo, a mediania tem o aspecto de não silenciar as emoções, mas buscar a proporção e, devido a essa proporção, a ação será adequada sob a perspectiva moral e, concomitantemente, a ação ficará ligada às emoções e paixões. De acordo com Aristóteles (2012), a posição de meio é o que tem a mesma distância de cada um dos extremos. Com relação a nós e sempre considerando nesse viés, meio é o que não excede nem falta. Aqui fica evidente que o “meio” se dá em relação ao agente pois “não é único e o mesmo para todos”.
                 Protestos, manifestações são mecanismos importantes e extremamente válidos em um sistema democrático. Todavia, o uso dessas estruturas reivindicatórias necessita ser bem compreendidas dentro do agir ético preconizado por Aristóteles. Além disso, é preciso, quando se pensa em exercer a cidadania, que ser cidadão não é ser único, mas ser a cidade, alteridade, reconhecer-se nas leis da cidade e compreendê-las; como também é preciso e acima de tudo, que a pessoa, numa sociedade, reflita o seu comportamento ético, como mecanismo essencial que torna viável a convivência com todos e para todos.

Referências

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2012.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Ed. Martin Claret, São Paulo, 2006.
Fotografia disponível em:

https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0CAcQjRw&url=http%3A%2F%2Fesportes.estadao.com.br%2Fnoticias%2Fgeral%2Cgrupo-organiza-um-protesto-neste-domingo-no-maracana%2C1043183&ei=KMyEVLjjFsKCgwTQ1IHIDQ&bvm=bv.80642063,d.eXY&psig=AFQjCNF8_jhIV1VUFEIJMF8wTCJDyLd0HA&ust=1418074863965712