terça-feira, 23 de junho de 2015

A ética em Freud

Por Stephanie Calado e Renata Priscylla

“Sigmund Freud, nascido em 1856 na cidade de Freiberg, na Morávia, então parte do Império Austríaco. [...] De origem judaica, formou-se em medicina e especializou-se em psiquiatria, estudando em Viena e depois em Paris. Foi em Viena, capital do Império Austríaco e um dos grandes centros culturais do início do século XX, que viveu a maior parte de sua vida profissional, onde desenvolveu seu trabalho clínico e formulou a teoria psicanalítica. Faleceu em Londres em 1939, onde se exilara para escapar da perseguição nazista.” MARCONDES (2007).
Como acréscimo, uma curiosidade: apesar de concentrar os seus esforços no estudo e tentativas de compreender o inconsciente, Freud também contribuiu – da maneira que melhor sabe –para a reflexão nos campos da ciência, da filosofia, da religião e das artes. Hoje, falaremos a respeito das suas colaborações a respeito da Ética.
Freud faz questionamentos sobre o que fundamenta os valores éticos, como estes se justificam e identifica a moral como a instância central da decisão ética. Para, além disso, mostra que a ação humana não é pautada apenas no controle racional e nas deliberações conscientes, mas que é em grande parte, determinada por elementos inconscientes: instintos, traumas, desejos, dos quais não estamos plenamente conscientes.
As contribuições de Sigmund Freud sobre ética aparecem principalmente na obra "O mal-estar na civilização" (1978) cuja história refere-se ao conflito entre duas características humanas: Eros (amor) e Tânatos (instinto de morte) que, de certa forma, são apresentados enlaçados e indissolúveis entre si, ou seja, metaforicamente, Freud apresenta estas duas esferas como princípios que atuam tanto no interior quanto no desenvolvimento do indivíduo, onde estas devem interagir em grupos diante do (e graças ao) processo de civilização humana.
É na observação metafórica de Tânatos e Eros que a concepção de aparelho psíquico (id, ego e superego) de Freud é recolocada, só que desta vez, mostrada numa perspectiva especial. À medida de informação, tal concepção compreende o Id como correspondente ao inconsciente, o Ego (ou eu) como a consciência e Superego (ou super-eu) como a instância crítica, uma autoridade externa que inclui os valores morais e que pode atuar como uma espécie de “consciência” que pode ser expressada como um sentimento de culpa e uma necessidade de punição quando há a transgressão ou intencionalidade de infração dessas “leis” morais.
Freud então se preocupa em mostrar a ideia de um superego não psicológico, e sim um superego cultural. O superego corresponde, como ele diz, à força dos primeiros grandes líderes da comunidade, que registraram as primeiras leis e que, enfim, mostraram-se divinos ao agirem dessa forma. São exatamente esses líderes que irão deixar para as suas comunidades, que continuam os seus desenvolvimentos, as exigências “que tratam das relações dos seres humanos uns com os outros” e que estão “abrangidas sob o título de ética”. Em outras palavras, o superego cultural é nada mais nada menos que a ética em si.
Para ilustrar o que Freud propôs, utilizamos da mesma artimanha que ele: metáforas!
No vídeo, produzido pela companhia humorística Porta dos Fundos, intitulado “Os Dez Mandamentos” é demonstrada em forma de uma sátira o momento em que Moisés entrega ao povo Hebreu a tábua com as novas “leis” estabelecidas por Deus para que estas fossem seguidas por eles. A resposta recebida pelos atores coadjuvantes é um tanto irônica e com um tom crítico levemente percebido ao fazer questionamentos quanto à veracidade dessas leis, seu momento de “efetivação” e as punições que seriam sofridas por aqueles que os descumprissem. Veja abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=eLawrQ1KQno

Analisando o vídeo, podemos nos remeter ao conceito de superego trazido por Freud e personificado na figura de Deus, que compartilha suas leis e que age como essa força autoritária e externa, a instância crítica que traz os valores morais necessários para uma existência harmoniosa. É este superego que garante que as pessoas não se comportem de maneira socialmente repreensível, estando ligado também ao controle dos impulsos.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, trouxemos como exemplo um trecho de uma série norte-americana (de ficção) aclamada pela crítica de todo o mundo, Dexter. No seriado, Dexter é um serial killer que concentra as suas forças em matar outros que machucaram outras pessoas deliberadamente e não responderam por isso, ou seja, a sua “vontade de matar” é deslocada para pessoas que, de alguma forma, driblam o “sistema” e não são presas. No vídeo abaixo, Dexter cita o “código de Harry” que são mandamentos estabelecidos pelo próprio pai (seu superego), que direcionam suas ações com a maneira correta com a qual ele devia se comportar para que não ele seja descoberto.

Esta educação através dos princípios morais faz com que estes princípios sejam introjetados e assimilados de maneira a trazer uma resposta do indivíduo quando não estão sendo seguidos corretamente ou, antes mesmo de ocorrerem, quando são intencionados. Existe então, uma tensão entre o superego severo e o ego, tratando-se do que conhecemos como “sentimento de culpa”. 
            Trazendo outro exemplo, na tirinha abaixo Mafalda em conversa com a mãe apresenta uma situação na qual, apesar de sua vontade contrária, agiu de forma eticamente correta no que tange os preceitos estabelecidos na sociedade na qual roubar é algo “feio”.

Este “inquilino” citado por Mafalda, nada mais seria do que o Superego expresso como uma “voz da consciência”, com a qual todos nós estamos familiarizados e que rodeiam nossas ações, analisando-as, criticando e direcionando-as para um comportamento mais aceitável ou até mesmo, condenando um comportamento, fazendo com que exista um sentimento de culpa quando há a percepção de ter-se feito algo mau ou errado.
Ademais, pensar a ética em Freud nos remete ao imaginário dessas inconstâncias dos nossos comportamentos e dos fatores que as influenciam e regem, considerando a importância dos fatores inconscientes na nossa consciência moral e atitudes sociais. Sugerimos então, uma reflexão mais centralizada nos aspectos da ética psicanalítica e na influência do superego no nosso próprio comportamento e sua tensão com nosso ego, originando o sentimento de culpa. Quais são suas influências e seus limites nas nossas vidas?


REFERÊNCIAS:
MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Ética: de Platão a Foucault. 4 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,2009.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Conversando com os filósofos

por Alina Coriolano e Phagner Ramos


A: Teólogo, filósofo, padre dominicano, um dos principais representantes da escolástica, pai do tomismo e santo declarado pelo papa João XXII. Ufa! Acho que acabei.... Com grande honra, temos o prazer de receber para um bate-papo: Tomás de Aquino! Obrigada por estar conosco esta tarde, Tom!
Tom: Obrigado pelo convite, garotos! É um prazer estar aqui ainda mais por passar certo tempo afastado desde... Bom, desde a minha morte, mas estou feliz por voltar ainda que temporariamente.
P:O prazer é todo nosso! Bom, vamos começar! Digamos Tomás, que essa é uma pergunta bem antiga minha desde a época em que fui apresentado ao cristianismo e, desculpe-me se for óbvio, mas porque Deus criou o mal?

Tom: Antes, gostaria de lhe parabenizar! Pelo visto, sempre fostes bem indagador. Lembra-me um colega, Agostinho, que 800 anos antes de mim indagou-se sobre a mesma coisa. E vamos dar mérito a ele: suas reflexões sistematizaram o pensamento cristão durante muitos séculos. E é importante destacarmos uma coisa: Deus não criou o mal. Na verdade, Ele criou um anjo de luz, o mais belo de todos, e o anjo se tornou a representação do mal. Para mim, o que aconteceu com Lúcifer é a metáfora da falha, ou seja, ele se torna mal por uma falha, não pela criação. Permita-me aqui também esclarecer que o Mal não é um ente, não é um ser que vive. Não consigo pensar em um ser nascido para o mal já que todos nós somos frutos do supremo amor e do supremo bem.
Figura 1Quadro de MihályZichy, "Lúcifer". Mostra a expulsão de Lúcifer do Céu por Deus

A: O senhor mencionou um ponto importante: uma pergunta milenar e de grande importância. Atualmente, como em quase todas as eras da humanidade, há sempre o questionamento: por que existe tanta maldade no mundo? As doenças, a morte, as guerras; enfim, acontece tanta coisa ruim nesse mundo, e muita gente se pergunta onde está Deus! E já que o senhor defende que não há um ser a quem possamos culpar, vem a grande questão: ou Deus não pode acabar com o mal ou Ele não quer. Se for a primeira opção, Ele não é onipotente, se for a segunda, Ele não é bondoso. Como o senhor entende isto?
Tom: Realmente essa pergunta é beeeeeem antiga. Agostinho bem antes de mim já refletia sobre isto, porém ele não conseguiu explicar, aquiescendo-se na fé. Eu, entretanto, acho que consegui avançar neste tema. Acredito que o que aconteceu com Lúcifer também explica os outros eventos: Lúcifer não nasceu mal, ele se tornou mal por conta de uma falha, assim como acontece com as doenças que ocorrem quando o nosso corpo falha na tentativa de nos proteger.
P: Como ocorre no câncer, em que as próprias células passam a se reproduzir de forma não controlada gerando tumores?
Figura 2Células de câncer no pulmão

Tom: Não conheço o câncer, mas sim, seria nesse sentido de que as coisas falham e através das falhas o mal é gerado. Pense por exemplo na morte, que realmente é algo tido como muito ruim, mas sem ela a cadeia alimentar não existiria e como dariam-se as outras vidas?
A: Mas então o senhor acredita que a morte é um bem? Não me leve a mal, mas não é algo que se possa aceitar tão facilmente... Quer dizer então, por exemplo, que as mortes ocorridas na Segunda Guerra Mundial têm um motivo? Que pessoas como Anne Frank morreram por um bem? Não consigo ver o motivo.
Figura 3Fragmento do livro O diário de Anne Frank

Tom:Creio que o mal é uma falha e que existe um motivo maior para cada parte desse mal, mas não sei todos os desígnios de Deus. Não posso te responder sobre todas as explicações para todos os atos que ocorrem... Nessa parte me pareço com Agostinho e me seguro em minha fé.
P: Sabe, isso me faz lembrar do livro Silmallion. Nele, Tolkien explica a criação do mundo através de uma música cantada por Illuvatar (senhor do tempo e de tudo que há) e os Valar (filhos de Illuvatar). A música era harmoniosa e sonora até que um dos Valar começa a querer destacar-se e, para contê-lo, vários outros passam a cantar mais alto. No final, Illuvatar diz que se não fosse a desarmonia, a música não teria sido cantada com tanta vontade. De maneira que a desarmonia possibilitou a música tornar-se melhor.
(Link para download: http://www.4shared.com/get/TLquWzMi/o_silmarillion_.html , disponível em 14 de junho de 2015.)
(Link para leitura online: http://cabana-on.com/Ler/wp-content/uploads/2013/06/J.R.R.-Tolkien-O-Silmarillion.pdf ,disponível em 14 de junho de 2015.)
Tom: Bom, seria algo assim. Os filhos desse senhor não sabiam que a música ficaria melhor, mas ela ficou... Estava nos desígnios.
P: É assim também nessa mesma história que Melkor, um dos Valar, por inveja destrói as árvores do palácio. Porém, depois disso, a seiva dessas plantas torna-se sol e lua.
Figura 4 A criação de “Valinor” e das “Árvores de Valinor”

Tom: Essa história parece ser bem profunda, mas a ideia é bem essa. De certa forma acredito que o mundo precisa ter essas falhas para evoluirmos, só não sei como.
P: Parece também com a história Paraíso de Jorge Furtado narrada no livro "Meu tio matou um cara". Conta a história de Beth que morre e, encontra no céu, o mundo mais que perfeito. O café era perfeito, não havia canais do boi, nem comerciais muito longos, no jornal todas as notícias eram empolgantes e alegres, o marido dela era um galã da globo que a amava incondicionalmente. Depois de algum tempo ela pede para falar com São Pedro, e sem burocracia ou espera, ele aparece. Beth pede então a ele para que faça falhas no dia dela, que o café saía meio amargo às vezes, que o leite derrame, e que o marido as vezes a traia. São Pedro fica espantado, e ela explica que precisa dessas falhas para se motivar a continuar seus dias, que não tem graça acordar e não ter o que fazer, problemas para resolver.
Tom: Não vou comentar sobre a história do céu, mas entendi a questão e realmente é bem isso. Exceto a parte do agir diante de um mundo perfeito.
A: Sabe outra coisa que sempre me deixa encucada? É essa história de livre-arbítrio... se tenho livre arbítrio por que não posso voar?

Tom: kkkkkkkkk, tenho impressão que independente das eras os homens continuam querendo voar! Entretanto, veja que retomamos àquela questão de não saber todos os desígnios de Deus, pois ele nos deu um corpo limitado. Provavelmente para nos incentivar a criar coisas que nos ajudassem em nossas limitações, mas isso não retira nosso livre-arbítrio. Além do mais, não voar é uma limitação que pelo que ouvi falar vocês já conseguiram superar.
A: Tá bem, tá bem... Acho que podemos viver com isso.
P: E, realmente! Já chegamos à lua: foi muito louco!
A: Mas Tom, outra coisa! Tem uma série incrível chamada Criminal Minds (Mentes Criminosas, na tradução brasileira).
P: A parte da série incrível fica por responsabilidade dela... (rsrs)
A: Nem vou te escutar Phagner, enfim nela se retrata um caso em que três melhores amigas são mantidas em cárcere por seu sequestrador até que elas matem uma entre elas. E, assim as meninas vão unindo-se uma contra a outra decidindo quem deve morrer ou não. E tem também aquela situação que rolou no acidente aéreo nos Andes. Painho ainda era menino, mas eu sei que quando o avião caiu as pessoas sobreviveram alimentando-se dos que já haviam morrido. Daí essas escolhas como maneira de sobrevivência consistem em livre arbítrio?

Tom: Eita! Para isso eu não tenho resposta, o mundo é outro agora...
A: Hum.... Agora me veio uma outra pergunta: tem como evitarmos certas falhas? Tipo tem como sermos melhores?
Tom: Claro que tem! Aristóteles já falava sobre isso: a virtude humana pode ser aprendida e ensinada. Se todos buscassem a benevolência, buscassem a Deus e seguissem os desígnios que Ele nos deu claramente, conseguiríamos evitar muitas falhas.
A: Tô ligada!
P: Bom, acho que é isso.
A: Tom, o senhor poderia encerrar a entrevista com uma mensagem para nossos leitores?
Tom: Dê-me, Senhor, agudeza para entender, capacidade para reter, método e faculdade para aprender, sutileza para interpretar, graça e abundância para falar, acerto ao começar, direção ao progredir e perfeição ao concluir.
P: Obrigado, Tom! Foi um prazer partilhar do seu conhecimento!
A: Boa noite e até a próxima edição do Conversando com os filósofos!