sexta-feira, 24 de julho de 2015

Reflexões sobre a corrupção política brasileira: existem escolhas?

Por: Anna de Cássia e Luza de Moura

Um dos temas que vem ganhando grande visibilidade no atual cenário político brasileiro é a corrupção. Em definição trazida por Brei (1996) a corrupção é um “padrão de comportamento que se afasta das normas predominantes em um dado contexto” visando um benefício individual para o corrupto e, para tal, necessita prejudicar outras pessoas.
A corrupção não é um fenômeno atual, ela existe desde os primórdios da humanidade. Para Santo Agostinho, somos marcados pelo pecado original, no qual Adão é seduzido pela cobra, e troca o paraíso pelos prazeres mundanos, da carne. Este seria o primeiro desvio ético, pois o homem seduzido pelas tentações é corrompido, agindo contrariamente à moral.

Segundo a historiadora Denise Moura em entrevista para uma matéria online da BBC, a corrupção no Brasil é documentada desde o período colonial, pois eram oferecidas vantagens para convencer fidalgos a virem para a colônia (MOURA, 2012). E com a distância entre a colônia brasileira e Portugal, o lugar tornou-se propício à corrupção. A historiadora ainda conta que a corrupção se dava em vários setores do funcionalismo público, e que mercadores eram beneficiados quando havia oferecimento de propina.


Na Independência do Brasil, em 1822, existia a corrupção. Foram relatados casos de corrupção eleitoral e através de concessão de obras públicas. A partir daí, pode-se ver diversas formas de corrupção política ao longo da história do país; passando as páginas de um livro de história damos de cara com alguns acontecimentos bem conhecidos, porém frequentemente esquecidos: votos de cabresto, onde o coronel obrigava a população (com subornos ou ameaças) a votar no seu candidato; sistema de degolas, onde deputados eleitos contra a vontade do governo eram simplesmente excluídos da lista oficial pela comissão de apuração eleitoral; posse do presidente Getúlio Vargas, em 1930, quando na verdade foi o seu oponente Júlio Prestes quem ganhou as eleições; a caixinha do Adhemar, onde era arrecadado dinheiro em troca de favores políticos; desvio de verba da previdência e assistência social durante a ditadura militar para patrocínio de campanha presidencial; o escândalo de captação de dinheiro (ou esquema PC) que gerou o impeachment do presidente Collor (BIASON, 2013). Mais recentemente, é possível ainda acrescentar na lista o “mensalão”, o “petrolão”, e tantos outros casos de corrupção que mancham o cenário político e a história do Brasil.


A política e os políticos têm conotação muito negativa no povo brasileiro. A corrupção política prejudica diretamente a sociedade, que pensa que ela está presente em todas as esferas do poder e é um problema sem fim, crônico. Há uma forte sensação de que os representantes políticos, na verdade, não representam os interesses públicos, somente estariam ocupando-se de obter benefício próprio. Por problemas como este que a política causa repulsa nas pessoas, de modo que estas evitam participar e cobrar ativamente dos representantes que são eleitos pela população, através do voto obrigatório.

Mas porque a corrupção existe? Porque a corrupção política existe? Como a ética pode ser pensada a partir desse fenômeno? A corrupção política brasileira é de profundidade imensurável, um sistema; uma vez dentro deste processo, não há muita escolha: participar ou se omitir. Pode-se perceber que é um fenômeno intrínseco à nossa governança; quem não está/esteve envolvido com atividades ilícitas, é bem possível que sabe/soube de algo que não podia contar. É de se pensar se a corrupção aumentou ou apenas se tornou visível. Porque, em nível político, neste momento, estamos em uma democracia na qual a liberdade de expressão é um direito e as notícias não sofrem censura. Por conseguinte, é possível reflexionar e fazer um balanço a respeito das incongruências parlamentares que nos chegam.  

Mario Sérgio Cortella, filósofo e professor acadêmico da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, diz que a ética é uma questão de escolha (2015). Segundo ele, a ética é um conjunto de valores e princípios que vão definir a conduta das pessoas de um determinado grupo, tribo ou sociedade. Dessa forma, ele diz que independente do nosso contexto sociocultural e econômico, nunca somos obrigados a ter comportamentos que vão de encontro à ética: por mais difícil que seja, na maioria das vezes, sempre existe a escolha de infringir as regras éticas ou não. A mesma coisa foi dita, há centenas de anos, por filósofos como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, que discutiam sobre o livre arbítrio e como todo ser humano é livre para decidir seguir o caminho do bem ou do mal, sabendo que existirão consequências para qualquer uma das escolhas. “O pecado, ou mal moral, resulta assim de uma escolha” (AGOSTINHO, apud MARCONDES, 2007).

Dessa forma, pode-se inferir que também a corrupção é uma escolha. Cortella (GNT, 2015) nos diz que “a corrupção é uma possibilidade, ela não é uma obrigatoriedade.” Assim sendo, o argumento de que, ao chegar ao parlamento, os políticos se veem sem alternativas em relação ao sistema corruptivo, ou participa ou omite o que sabe, para Cortella, poderia ser uma explicação, uma racionalização a respeito do porquê as pessoas se deixam corromper. Porém, não justifica. Justificar é o mesmo que dizer “tornar justo”, ou seja, fazer com que a moral - isto é, a prática de valores - se alinhe aos princípios éticos. Outro argumento frequentemente usado é de que o poder corrompe. Sobre isso, Cortella (GNT, 2015) diz que o poder não corrompe, ele cria uma circunstância onde se pode fazer uma escolha, corrupta ou não. Argumenta ainda que “O poder seduz, mas ele não te obriga à corrupção”. A forma de agir deveria ser de acordo com a forma íntegra de se pensar, se assim fosse a forma de pensamento e a conduta do político antes de ingressar na vida pública.

O que é uma pessoa íntegra? É uma pessoa correta, que não se desvia do caminho, uma pessoa justa, honesta. É uma pessoa que não tem duas caras. Qual a grande virtude que caracteriza uma pessoa íntegra? Ela é sincera (CORTELLA, 2015).

Ao contrário do que muitos almejam ou idealizam, muitas correntes de pensamentos filosóficos dizem ser impossível chegar um dia ao cenário social em que não haveria mais corrupção. Para Cortella (apud. GNT, 2015), este estado exigiria o fim da liberdade humana. Ele diz que a sociedade pode criar diversas formas de controlar e limitar o mau uso dessa liberdade (que é a função da legislação, por exemplo), mas não pode retirar por completo dos sujeitos esta liberdade. Aquino e Agostinho debateram muito sobre a importância dessa liberdade, ou livre arbítrio para eles, defendendo que o mal acontece como uma corrupção da natureza das coisas criadas, que não pode ser evitado de outra forma se não pelas escolhas éticas, que só são possíveis a partir do livre arbítrio.         

Entretanto, argumentar que a corrupção é impossível de ser extinta não retira dela o caráter impróprio nem torna desnecessárias as lutas contra sua prática. Não é pela dificuldade no combate às suas causas e consequências, que se pode permitir a institucionalização da corrupção política, em um cenário onde as próprias leis muitas vezes ao invés de combatê-la, permitem a sua existência. Foi, por exemplo, arquivada em 2014 a proposta de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 4.650, levantada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que considera inconstitucional o patrocínio empresarial para campanhas políticas. Circularam matérias online no ano que de 2014, em decorrência das eleições, principalmente no que diz respeito às eleições presidenciais, que a JBS (popularmente conhecida pela marca Friboi) doou cerca de 10 milhões de reais, divididos em duas parcelas equitativas para a então candidata a reeleição pelo PT, Dilma Rouseff e o candidato Aécio Neves, pelo PSDB, como visto em matérias dos jornais O Globo (KRAKOVICS e GOIS, 2014) e Estadão (BURGARELLIet al. 2014).Outra matéria, agora da Revista Fórum (ANJOS, 2015), afirmou ainda que este tipo de doação tem intenção de queo candidato que for eleitofacilitealgumas situações para estas empresas, como financiamentos, licitações, processos fiscais etc.

Relembrando, então, o pensamento de Cortella sobre pessoa íntegra ou virtuosa, cabe concluir fazendo um diálogo com o pensamento filosófico medieval. Tomás de Aquino falou também em virtude como sendo hábito, e que todos os homens têm potência para transformar seus atos e se “divinificar”, entendendo aqui divinificar não no sentido religioso, e sim como alcançar a coerência entre ética e moral. Faz-se necessário lembrar que Aquino tenta explicar a fé através de argumentos racionais. As virtudes para Aquino são Fé, Esperança e Caridade. Guardando o significado religioso de Fé para Aquino, fé nada mais é que acreditar na virtude das pessoas, caridade no sentido de olhar também o outro, de dar atenção às necessidades que não somente as individuais. E esperança, virtude que também é citada por Cortella em sua obra (2015), de ser otimista. Afinal, para Aquino, o perfeito não seria perfeito sem a imperfeição, e para Agostinho “aquele que cai por responsabilidade própria, pode também voltar a erguer-se da mesma forma” (AGOSTINHO, apud MARCONDES, 2007).


Referências Bibliográficas

ANJOS, Anna Beatriz. Ação que proíbe financiamento empresarial de campanhas completa dez meses parada no STF: 2015. Disponível em: <http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/02/devolve-gilmar/>. Acesso em: 08 jul. 2015.
BIASON, Rita. Breve história da corrupção no Brasil. Movimento Contra Corrupção. São Paulo. out. 2013. Disponível em: <http://www.contracorrupcao.org/2013/10/breve-historia-da-corrupcao-no-brasil.html>. Acesso em: 04 jul. 2015.

BREI, Zani Andrade. Corrupção: dificuldades para definição e para um consenso. Rap: Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, p. 64-77. jan. 1996. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/8128/6943>. Acesso em: 04 jul. 2015.

BURGARELLI, Rodrigo et al. Três empresas bancam 39% da campanha. 2014. Disponível em <http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,tres-empresas-bancam-39-da-campanha,1555032>. Acesso em: 17 jul. 2015.

CORTELLA, Mário Sérgio. EDUCAÇAO, CONVIVENCIA E ETICA: AUDACIA E ESPERANÇA! São Paulo: Cortez, 2015. 120 p.

DELLA BARBA, Mariana; MOURA, Denise. Corrupção no Brasil tem origem no período colonial, diz historiadora. BBC: BBC Brasil. São Paulo, 04 nov. 2012. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/11/121026_corrupcao_origens_mdb.shtml>. Acesso em: 04 jul. 2015.

GNT. Para o filósofo Mario Sergio Cortella, a ética é uma questão de escolha. Direção de PatriciaRubano. Realização de Gnt. São Paulo: Globosat Programadora Ltda., 2015. (7 min.), son., color. Disponível em: <http://gnt.globo.com/programas/saia-justa/sobre.html>. Acesso em: 25 jun. 2015.

KRAKOVICS, Fernanda; GOIS, Chico.Empresa JBS Friboi é a maior doadora das campanhas de Dilma e Aécio: Presidenciáveis do PT e PSDB receberam R$ 5 milhões cada, quase a metade da arrecadação. 2014. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/empresa-jbs-friboi-a-maior-doadora-das-campanhas-de-dilma-aecio-13517327>. Acesso em: 17 jul. 2015.


MARCONDES, Danilo. (2007). Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Zahar, 5ed, 86-93.

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