Por: Gabriela
Grangeiro Dias,
Tamires Brandão
de Siqueira e Sousa
e Adeilson Rabelo.
Uma mulher caminha pela rua
despretensiosamente até que esbarra em um homem que estava parado olhando um
mapa. Entre os pedidos de desculpa que geralmente acompanham esses
acontecimentos, ela percebeu que o conhecia e foi reconhecida também.
Tratava-se do primeiro namorado que tivera quando era jovem e que acabara de se
mudar para aquela cidade, mas estava perdido. Ela então se ofereceu para
acompanha-lo até seu destino e seguiram conversando como velhos amigos que a
muito não se viam. Chegando ao local, ambos perceberam que aquele momento tinha
sido agradável demais e combinaram de tomar um café no outro dia.
No dia seguinte, passaram horas conversando e
sequer perceberam. Ele a acompanhou até o carro e naquele minuto havia uma
leveza diferente no ar, uma sensação que fazia com que os dois sorrissem sem
motivos aparentes. Então ele a convidou para saírem novamente e ela, embora um
pouco receosa, aceitou. Assim, os dias passaram virando rotina o que havia
acontecido de forma depretenciosa e ela começou a se questionar se o que estava
fazendo era certo. Ela estava casada há anos, seu marido não fazia ideia do que
estava acontecendo e ela não sabia o que fazer. Seu casamento não era mais como
antigamente, ela decididamente tinha sentimentos pelo seu antigo namorado, mas
sabia que faria seu marido sofrer se pedisse o divórcio. Ela também o faria
sofrer se o traísse, no entanto, ele sofreria apenas se ficasse sabendo da
traição...
A partir dessa história queremos dar ênfase à
questão de o que é a traição. Considerando a definição de Santo Agostinho (apud
MARCONDES, 2007) de que a liberdade individual “é a característica do ser
humano que o torna responsável por suas escolhas e decisões, por isso pode agir
de forma ética ou não”, é possível perceber que a mulher encara duas opções de
como lidar com a situação. O fato de ela não ter clareza do caminho que deve
tomar traz uma reflexão do que seria o correto ou não.
Do ponto de vista ético, onde está implicada a traição?
Ao falarmos em relacionamentos, muitas pessoas podem considerar que o ato de
trair ocorre quando alguém quebra um laço afetivo que foi acordado entre as
duas partes de uma relação, mesmo que implicitamente. Ou que a traição é quando
o outro não espera certa atitude ou comportamento de uma pessoa em que ele
depositava confiança. Dessa forma, a maioria das pessoas considera apenas a
traição do um para o outro, no entanto, não existiriam outras traições a
considerar se olharmos de forma diferente?
No
caso da história, a mulher já não era feliz em seu casamento e encontrou uma
oportunidade de transformar esse sentimento de infelicidade, ao viver presa em
um relacionamento que não gerava mais frutos, em um sentimento de liberdade ao
entrar em uma relação com novas surpresas e prazeres. Em contrapartida, não se
encontra clara de que maneira fazer isso sem achar que estava traindo o marido.
Por um lado, parece que trair o marido é uma
ação tida como errada socialmente e do outro lado encontra-se a honestidade de
assumir para seu cônjuge que está envolvida emocionalmente com outra pessoa e
que deseja a separação, uma ação mais aceita pelos valores morais regidos pela
sociedade. Na concepção cristã, a quebra
do que foi "acordado" pelos cônjuges consiste, aos olhos da
moralidade religiosa, em algo "errado", sendo mal visto (dentro das
normas da religião), podendo gerar consequências de carácter negativo na vida
social da pessoa.
Devido às implicações sociais da decisão a
ser tomada, a mulher possivelmente precisará medir as consequências de suas
ações e estar disposta a enfrentar críticas, pois todo ato é passível de
julgamentos e esses irão ser feitos com base nos valores éticos e morais de
cada pessoa que o faz. Mas e se ela não for cristã? Ela vai sofrer preconceito
pelas crenças que predominam na sociedade? E se na crença dela isso for aceito?
Ela deveria deixar de lado as próprias crenças para atender uma demanda social?
Mas isso não seria trair o que ela acredita?
Decidir separar-se do marido é uma escolha
que deve ser avaliada de todos os ângulos e que deve estar alheia aos
julgamentos sociais, pois é algo que só diz respeito à mulher e a quem está
implicado nessa situação. Ela estaria, então, fazendo uso do seu
livre-arbítrio? E se esta escolha provocar o sofrimento do companheiro dela,
então até que ponto o livre-arbítrio dela fere o próximo? Seria certo exercer a
sua liberdade de escolha, independente do dano que isso causaria ao outro?E ao
trair ela também faz uso do seu livre-arbítrio?
De acordo com o pensamento de Santo
Agostinho, dessa forma, possivelmente ela está sendo guiada pela paixão, fato
que afirma ser o gerador das falhas e erros. Mas o ponto principal dessa
discussão é o fato de que a mulher está indo em busca de sua felicidade e bem
estar, pois o seu casamento não estava mais prazeroso como antigamente e agora
ela está envolvida em uma nova paixão. Portanto, o que deve ser considerado
falha ou erro? Permanecer infeliz no casamento para não magoar o outro, mas se
magoar ou escolher a própria felicidade?
Para Santo Agostinho em O Livre-Arbítrio
“O mal moral é o pecado. Esse depende de
nossa má vontade. [...] a vontade deveria tender para o Bem supremo. Mas, como
existem muitos bens criados e finitos, a vontade pode vir a tender a eles e,
subvertendo a ordem hierárquica, preferir a criatura a Deus, optando por bens
inferiores, em vez dos bens superiores. Sendo assim, o mal deriva do fato de
que não há um único bem, e sim muitos bens, consistindo precisamente o pecado
na escolha incorreta entre esses bens.”
Se existem vários níveis de bem, qual seria a
escolha considerada um “bem superior”? E esse bem superior faz bem para quem?
De que forma é possível definir se a opção feita é boa ou ruim? Considerar o
próprio sofrimento seria egoísmo ou autopreservação? E considerar apenas o
sofrimento do outro, esquecendo-se de si mesma, seria altruísmo ou estupidez?
Talvez pensar na situação seja extremamente simples quando se observa as coisas
de um único ângulo, mas e se você der a volta e tentar uma nova perspectiva? Já
diria Fernando Anitelli em Amadurecência: “Nunca deixar de ouvir com outros
olhos”.
Referências
AGOSTINHO,
S. O Livre-Arbítrio. Tradução de
OLIVEIRA, N. A. São Paulo: Paulus, 1995.
MARCONDES,
Danilo. Textos básicos de ética - De
Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
Música:
Amadurecência - O Teatro Mágico. Composição: Fernando Anitelli
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