quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Traição?

Por: Gabriela Grangeiro Dias,
Tamires Brandão de Siqueira e Sousa
e Adeilson Rabelo.

Uma mulher caminha pela rua despretensiosamente até que esbarra em um homem que estava parado olhando um mapa. Entre os pedidos de desculpa que geralmente acompanham esses acontecimentos, ela percebeu que o conhecia e foi reconhecida também. Tratava-se do primeiro namorado que tivera quando era jovem e que acabara de se mudar para aquela cidade, mas estava perdido. Ela então se ofereceu para acompanha-lo até seu destino e seguiram conversando como velhos amigos que a muito não se viam. Chegando ao local, ambos perceberam que aquele momento tinha sido agradável demais e combinaram de tomar um café no outro dia.
No dia seguinte, passaram horas conversando e sequer perceberam. Ele a acompanhou até o carro e naquele minuto havia uma leveza diferente no ar, uma sensação que fazia com que os dois sorrissem sem motivos aparentes. Então ele a convidou para saírem novamente e ela, embora um pouco receosa, aceitou. Assim, os dias passaram virando rotina o que havia acontecido de forma depretenciosa e ela começou a se questionar se o que estava fazendo era certo. Ela estava casada há anos, seu marido não fazia ideia do que estava acontecendo e ela não sabia o que fazer. Seu casamento não era mais como antigamente, ela decididamente tinha sentimentos pelo seu antigo namorado, mas sabia que faria seu marido sofrer se pedisse o divórcio. Ela também o faria sofrer se o traísse, no entanto, ele sofreria apenas se ficasse sabendo da traição...
A partir dessa história queremos dar ênfase à questão de o que é a traição. Considerando a definição de Santo Agostinho (apud MARCONDES, 2007) de que a liberdade individual “é a característica do ser humano que o torna responsável por suas escolhas e decisões, por isso pode agir de forma ética ou não”, é possível perceber que a mulher encara duas opções de como lidar com a situação. O fato de ela não ter clareza do caminho que deve tomar traz uma reflexão do que seria o correto ou não.
         Do ponto de vista ético, onde está implicada a traição? Ao falarmos em relacionamentos, muitas pessoas podem considerar que o ato de trair ocorre quando alguém quebra um laço afetivo que foi acordado entre as duas partes de uma relação, mesmo que implicitamente. Ou que a traição é quando o outro não espera certa atitude ou comportamento de uma pessoa em que ele depositava confiança. Dessa forma, a maioria das pessoas considera apenas a traição do um para o outro, no entanto, não existiriam outras traições a considerar se olharmos de forma diferente?
         No caso da história, a mulher já não era feliz em seu casamento e encontrou uma oportunidade de transformar esse sentimento de infelicidade, ao viver presa em um relacionamento que não gerava mais frutos, em um sentimento de liberdade ao entrar em uma relação com novas surpresas e prazeres. Em contrapartida, não se encontra clara de que maneira fazer isso sem achar que estava traindo o marido.
Por um lado, parece que trair o marido é uma ação tida como errada socialmente e do outro lado encontra-se a honestidade de assumir para seu cônjuge que está envolvida emocionalmente com outra pessoa e que deseja a separação, uma ação mais aceita pelos valores morais regidos pela sociedade.  Na concepção cristã, a quebra do que foi "acordado" pelos cônjuges consiste, aos olhos da moralidade religiosa, em algo "errado", sendo mal visto (dentro das normas da religião), podendo gerar consequências de carácter negativo na vida social da pessoa.
Devido às implicações sociais da decisão a ser tomada, a mulher possivelmente precisará medir as consequências de suas ações e estar disposta a enfrentar críticas, pois todo ato é passível de julgamentos e esses irão ser feitos com base nos valores éticos e morais de cada pessoa que o faz. Mas e se ela não for cristã? Ela vai sofrer preconceito pelas crenças que predominam na sociedade? E se na crença dela isso for aceito? Ela deveria deixar de lado as próprias crenças para atender uma demanda social? Mas isso não seria trair o que ela acredita?
Decidir separar-se do marido é uma escolha que deve ser avaliada de todos os ângulos e que deve estar alheia aos julgamentos sociais, pois é algo que só diz respeito à mulher e a quem está implicado nessa situação. Ela estaria, então, fazendo uso do seu livre-arbítrio? E se esta escolha provocar o sofrimento do companheiro dela, então até que ponto o livre-arbítrio dela fere o próximo? Seria certo exercer a sua liberdade de escolha, independente do dano que isso causaria ao outro?E ao trair ela também faz uso do seu livre-arbítrio?
De acordo com o pensamento de Santo Agostinho, dessa forma, possivelmente ela está sendo guiada pela paixão, fato que afirma ser o gerador das falhas e erros. Mas o ponto principal dessa discussão é o fato de que a mulher está indo em busca de sua felicidade e bem estar, pois o seu casamento não estava mais prazeroso como antigamente e agora ela está envolvida em uma nova paixão. Portanto, o que deve ser considerado falha ou erro? Permanecer infeliz no casamento para não magoar o outro, mas se magoar ou escolher a própria felicidade?
Para Santo Agostinho em O Livre-Arbítrio
“O mal moral é o pecado. Esse depende de nossa má vontade. [...] a vontade deveria tender para o Bem supremo. Mas, como existem muitos bens criados e finitos, a vontade pode vir a tender a eles e, subvertendo a ordem hierárquica, preferir a criatura a Deus, optando por bens inferiores, em vez dos bens superiores. Sendo assim, o mal deriva do fato de que não há um único bem, e sim muitos bens, consistindo precisamente o pecado na escolha incorreta entre esses bens.”
Se existem vários níveis de bem, qual seria a escolha considerada um “bem superior”? E esse bem superior faz bem para quem? De que forma é possível definir se a opção feita é boa ou ruim? Considerar o próprio sofrimento seria egoísmo ou autopreservação? E considerar apenas o sofrimento do outro, esquecendo-se de si mesma, seria altruísmo ou estupidez? Talvez pensar na situação seja extremamente simples quando se observa as coisas de um único ângulo, mas e se você der a volta e tentar uma nova perspectiva? Já diria Fernando Anitelli em Amadurecência: “Nunca deixar de ouvir com outros olhos”.

Referências
AGOSTINHO, S. O Livre-Arbítrio. Tradução de OLIVEIRA, N. A.  São Paulo: Paulus, 1995.
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética - De Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

Música: Amadurecência - O Teatro Mágico. Composição: Fernando Anitelli

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