quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Os arrastões de Abreu e Lima à luz da Ética para Platão

Por: Mariana Sobral e Virginia Fernandes

O presente texto tem por objetivo fazer uma relação entre os saques e arrastões acontecidos na cidade de Abreu e Lima, Pernambuco, em maio de 2014 com o que Marcondes (2007), doutor em filosofia pela Universidade de St. Andrew, Grã-Bretanha, professor titular da PUC-Rio e adjunto da UFF, apresenta na sua obra como sendo as virtudes para Platão. Apresentaremos também, brevemente, uma introdução dos sentidos da Ética para melhor compreensão do que será abordado.
Na noite do dia 13/05/2014 policiais militares e bombeiros entraram em greve em todo o estado de Pernambuco. Durante esse período, o município de Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife presenciou um cenário de grandes saques e depredações. As câmeras de segurança espalhadas pela cidade registraram os momentos em que dezenas de pessoas saquearam as lojas do comércio da cidade. Era possível ver pessoas de todas as idades saindo das lojas com móveis e eletrodomésticos nos ombros sem a menor inibição, mesmo quando a mídia local chegou para fazer a cobertura do acontecido.
O fato repercutiu em todo o país, chocando bastante a população devido a grande proporção tomada pelos arrastões, além da quantidade de pessoas envolvidas neles. Dessa forma, o sentimento daquelas pessoas não era de estarem roubando, já que “todo mundo” estava fazendo, mas sim de uma oportunidade para conseguir ter alguns bens de consumo sem pagar por eles e sem sofrer punição ou represália por isso.  Assim, o que nos chamou atenção para nos debruçarmos sobre esse assunto foi o seguinte questionamento: será que as pessoas só são “honestas” ou “éticas” por imposição?
O termo Ética é aparentemente simples, mas sua definição exige cuidado, pois, deve-se levar em consideração os aspectos socioculturais de determinada realidade antes de utilizá-la. Considerando que cada sociedade terá seus princípios éticos, e estes podem variar com o tempo, são consequências de um dado momento ou circunstâncias que a comunidade esteja vivenciando.
Diferentes filósofos e autores escrevem sobre ética e os seus princípios. Marcondes (2007) a distingue em três dimensões: sentido básico ou descritivo, sentido prescritivo ou normativo e sentido reflexivo ou filosófico. O primeiro seria um conjunto de costumes, hábitos e práticas de um povo. O sentido prescritivo estaria relacionado à ética como um conjunto de preceitos que estabelecem e justificam valores e deveres. E a última dimensão é descrita como sendo uma reflexão sobre a ética, seus fundamentos e seus pressupostos.
Trazendo esses conceitos para a nossa sociedade e exemplificando com o ocorrido em Abreu e Lima, pode-se dizer que o sentido ético básico dos moradores deveria ser, entre outros, respeitar a propriedade privada e pagar para obter qualquer item de consumo. Uma das dimensões prescritivas seriam as leis e regras que ajudam a reforçar os valores presentes na comunidade. Entretanto, quando as figuras que, supostamente representam o cumprimento dessas leis e deveriam ser responsáveis pela manutenção da ordem, ficaram ausentes, de nada adiantaram os princípios básicos e prescritivos da ética para algumas pessoas, já que elas apenas os ignoraram para se autobeneficiar. 
Marcondes (2007), em seu livro Textos básicos de ética dedica um capítulo aos pensamentos de Platão (428-348 a.C.). Nele, o autor aponta para o conceito de Virtude como sendo inata, no sentido de que, ou a pessoa nasce com esse “dom”, ou ela não terá ele, cabendo, ao filósofo despertá-lo nas pessoas. Assim, de acordo com esse pensador, aquelas pessoas que não possuíam a virtude agiam de forma “bárbara”, principalmente movidas por seus impulsos, eram verdadeiros “selvagens”.Platão considerava que ser ético estava diretamente relacionado ao autocontrole, à capacidade do sujeito de se autogovernar. É importante considerar, também, o contexto social em que este pensador estava inserido, isto é, não existiam leis e normas que regulamentassem o comportamento das pessoas, como nos dias atuais.
Os saques de maio de 2014 nos fizeram refletir sobre a relação honestidade-punição existente na sociedade, quão frágil podem ser os valores éticos compartilhados numa comunidade quando as pessoas não estão sob o controle dos órgãos de poder, levando a comportamentos que ferem tais valores. À luz de Platão, podemos inferir que as pessoas, no momento em que tiveram a oportunidade de obter aqueles itens de consumo (hoje em dia colocados como essenciais) criou uma ânsia tão forte nos indivíduos que eles não mais se autogovernaram diante deste sentimento consumista e da “oportunidade” de satisfazê-lo.
Em seu texto, Marcondes (2007) aponta para uma citação de Glauco, que afirma: "o homem bem toma o mesmo caminho que o injusto, este impulsionado a querer sempre mais, impulso que se encontra em toda natureza, mas ao qual a força da lei impõe limites" (p.30). Ou seja, para ele, o homem só é justo por imposições. 
A partir disto podemos inferir que o que distingue o justo do injusto seria sua submissão ou não à lei, como exemplificado com os saques de Abreu e Lima. A ausência da polícia e com isso a “pseudo-liberdade” de se fazer o que quisesse sem ser punido, “fragilizou” o senso de justiça daquelas pessoas. Já que, com os policias em greve, supostamente não sofreriam sansões ao irem de encontro às leis e regras, não resistindo à tentação de tomar o que pertence a outro, bem como se adequar a lógica capitalista que atribui valor pessoal ao que você possui e não ao que você é. Adquirindo, a partir disso, um status ou prestígio diante das outras pessoas.
O que também nos chamou atenção foram os comentários que surgiram como crítica de que muitos dos indivíduos que participaram do saque aparentemente não precisavam dos produtos saqueados, pois, grande parte do que foi levado eram coisas supérfluas como televisão, celulares etc. Desse modo, nos questionamos o que realmente é supérfluo no nosso modo de viver atual. Já que hoje os equipamentos eletrônicos de última geração são fundamentais no nosso dia a dia. Assim, esses dispositivos tornaram-se imprescindíveis, além de gerar um sentimento de valor sociocultural positivo de quem os possui.

Platão (380 a.C), em seu mito da carruagem, presente no livro A República, compara a alma do homem a uma carruagem puxada por dois cavalos: um branco, que representa a inteligência e um negro, representando as paixões. O cocheiro, que conduz a carruagem, é análogo à Razão. Dessa forma, o homem deve aprender a equilibrar os dois “cavalos” para que seja possível se guiar pelo caminho do bem e da verdade. Nesse sentido, as pessoas que saquearam as lojas para se satisfazerem, agiram de modo instintivo, perdendo as rédeas do cavalo branco.
A lógica das relações atualmente permitiu que esse evento ocorresse, devido à reificação do ser, ou seja, estamos nos relacionando com as coisas materiais e usando as pessoas.  Pelo fato dos objetos terem ganhado tanto valor pessoal, a lógica de consumo se alterou. Hoje a relação não é mais: valor de uso gera valor de troca, compra-se pelo status, por vezes sem utilidade nenhuma.

REFERÊNCIAS
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
PLATÃO. República. Rio de Janeiro: Editora Best Seller, 2002. Tradução de Enrico Corvisieri.


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