Por: Mariana Sobral e
Virginia Fernandes
O
presente texto tem por objetivo fazer uma relação entre os saques e arrastões
acontecidos na cidade de Abreu e Lima, Pernambuco, em maio de 2014 com o que
Marcondes (2007), doutor em filosofia pela Universidade de St. Andrew,
Grã-Bretanha, professor titular da PUC-Rio e adjunto da UFF, apresenta na sua
obra como sendo as virtudes para Platão. Apresentaremos também, brevemente, uma
introdução dos sentidos da Ética para melhor compreensão do que será abordado.
Na noite
do dia 13/05/2014 policiais militares e bombeiros entraram em greve em todo o
estado de Pernambuco. Durante esse período, o município de Abreu e Lima, na
Região Metropolitana do Recife presenciou um cenário de grandes saques e
depredações. As câmeras de segurança espalhadas pela cidade registraram os
momentos em que dezenas de pessoas saquearam as lojas do comércio da cidade.
Era possível ver pessoas de todas as idades saindo das lojas com móveis e
eletrodomésticos nos ombros sem a menor inibição, mesmo quando a mídia local
chegou para fazer a cobertura do acontecido.
O fato
repercutiu em todo o país, chocando bastante a população devido a grande
proporção tomada pelos arrastões, além da quantidade de pessoas envolvidas
neles. Dessa forma, o sentimento daquelas pessoas não era de estarem roubando,
já que “todo mundo” estava fazendo, mas sim de uma oportunidade para conseguir
ter alguns bens de consumo sem pagar por eles e sem sofrer punição ou represália
por isso. Assim, o que nos chamou
atenção para nos debruçarmos sobre esse assunto foi o seguinte questionamento:
será que as pessoas só são “honestas” ou “éticas” por imposição?
O termo
Ética é aparentemente simples, mas sua definição exige cuidado, pois, deve-se
levar em consideração os aspectos socioculturais de determinada realidade antes
de utilizá-la. Considerando que cada sociedade terá seus princípios éticos, e
estes podem variar com o tempo, são consequências de um dado momento ou circunstâncias
que a comunidade esteja vivenciando.
Diferentes
filósofos e autores escrevem sobre ética e os seus princípios. Marcondes (2007)
a distingue em três dimensões: sentido básico ou descritivo, sentido
prescritivo ou normativo e sentido reflexivo ou filosófico. O primeiro seria um
conjunto de costumes, hábitos e práticas de um povo. O sentido prescritivo
estaria relacionado à ética como um conjunto de preceitos que estabelecem e
justificam valores e deveres. E a última dimensão é descrita como sendo uma
reflexão sobre a ética, seus fundamentos e seus pressupostos.
Trazendo
esses conceitos para a nossa sociedade e exemplificando com o ocorrido em Abreu
e Lima, pode-se dizer que o sentido ético básico dos moradores deveria ser,
entre outros, respeitar a propriedade privada e pagar para obter qualquer item
de consumo. Uma das dimensões prescritivas seriam as leis e regras que ajudam a
reforçar os valores presentes na comunidade. Entretanto, quando as figuras que,
supostamente representam o cumprimento dessas leis e deveriam ser responsáveis
pela manutenção da ordem, ficaram ausentes, de nada adiantaram os princípios
básicos e prescritivos da ética para algumas pessoas, já que elas apenas os
ignoraram para se autobeneficiar.
Marcondes
(2007), em seu livro Textos básicos de
ética dedica um capítulo aos pensamentos de Platão (428-348 a.C.). Nele, o
autor aponta para o conceito de Virtude como sendo inata, no sentido de que, ou
a pessoa nasce com esse “dom”, ou ela não terá ele, cabendo, ao filósofo
despertá-lo nas pessoas. Assim, de acordo com esse pensador, aquelas pessoas
que não possuíam a virtude agiam de forma “bárbara”, principalmente movidas por
seus impulsos, eram verdadeiros “selvagens”.Platão considerava que ser ético
estava diretamente relacionado ao autocontrole, à capacidade do sujeito de se
autogovernar. É importante considerar, também, o contexto social em que este
pensador estava inserido, isto é, não existiam leis e normas que
regulamentassem o comportamento das pessoas, como nos dias atuais.
Os
saques de maio de 2014 nos fizeram refletir sobre a relação honestidade-punição
existente na sociedade, quão frágil podem ser os valores éticos compartilhados
numa comunidade quando as pessoas não estão sob o controle dos órgãos de poder,
levando a comportamentos que ferem tais valores. À luz de Platão, podemos
inferir que as pessoas, no momento em que tiveram a oportunidade de obter
aqueles itens de consumo (hoje em dia colocados como essenciais) criou uma
ânsia tão forte nos indivíduos que eles não mais se autogovernaram diante deste
sentimento consumista e da “oportunidade” de satisfazê-lo.
Em seu
texto, Marcondes (2007) aponta para uma citação de Glauco, que afirma: "o
homem bem toma o mesmo caminho que o injusto, este impulsionado a querer sempre
mais, impulso que se encontra em toda natureza, mas ao qual a força da lei
impõe limites" (p.30). Ou seja, para ele, o homem só é justo por
imposições.
A partir
disto podemos inferir que o que distingue o justo do injusto seria sua
submissão ou não à lei, como exemplificado com os saques de Abreu e Lima. A
ausência da polícia e com isso a “pseudo-liberdade” de se fazer o que quisesse
sem ser punido, “fragilizou” o senso de justiça daquelas pessoas. Já que, com
os policias em greve, supostamente não sofreriam sansões ao irem de encontro às
leis e regras, não resistindo à tentação de tomar o que pertence a outro, bem
como se adequar a lógica capitalista que atribui valor pessoal ao que você
possui e não ao que você é. Adquirindo, a partir disso, um status ou prestígio
diante das outras pessoas.
O que também nos chamou atenção foram os comentários que surgiram como
crítica de que muitos dos indivíduos que participaram do saque aparentemente
não precisavam dos produtos saqueados, pois, grande parte do que foi levado
eram coisas supérfluas como televisão, celulares etc. Desse modo, nos
questionamos o que realmente é supérfluo no nosso modo de viver atual. Já que
hoje os equipamentos eletrônicos de última geração são fundamentais no nosso
dia a dia. Assim, esses dispositivos tornaram-se imprescindíveis, além de gerar
um sentimento de valor sociocultural positivo de quem os possui.
Platão
(380 a.C), em seu mito da carruagem, presente no livro A República, compara a
alma do homem a uma carruagem puxada por dois cavalos: um branco, que
representa a inteligência e um negro, representando as paixões. O cocheiro, que
conduz a carruagem, é análogo à Razão. Dessa forma, o homem deve aprender a
equilibrar os dois “cavalos” para que seja possível se guiar pelo caminho do
bem e da verdade. Nesse sentido, as pessoas que saquearam as lojas para se
satisfazerem, agiram de modo instintivo, perdendo as rédeas do cavalo branco.
A lógica das
relações atualmente permitiu que esse evento ocorresse, devido à reificação do
ser, ou seja, estamos nos relacionando com as coisas materiais e usando as
pessoas. Pelo fato dos objetos terem
ganhado tanto valor pessoal, a lógica de consumo se alterou. Hoje a relação não
é mais: valor de uso gera valor de troca, compra-se pelo status, por vezes sem utilidade
nenhuma.
REFERÊNCIAS
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética: de
Platão a Foucault. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
PLATÃO. República. Rio de Janeiro: Editora Best
Seller, 2002. Tradução de Enrico Corvisieri.
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