segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O ato correto está subordinado ao medo da punição?


Por: Elaine Claudia Silva do Nascimento
e Ellen Mayrla Silva Santos

Estimulados pela particularidade política de um ano eleitoral e a tensão pré-copa instaurada no Brasil, os policiais militares da região metropolitana do Recife viram nessa situação o momento propício para pressionar o governo estadual em favor do reajuste de 50% em seus salários e outros benefícios para a categoria.
Em dois dias, da terça (13) à quinta-feira (15) do mês de maio de 2014, a população viveu momentos de tensão em razão da diminuição da segurança em várias cidades pernambucanas. Segundo a Polícia Civil¹, em 24h, houve o registro de oito homicídios, 234 pessoas foram detidas e 102 autuadas em flagrante no Estado, além de inúmeros casos de saques e arrastões que também foram notificados.


Muitos vídeos obtidos e apresentados pela mídia e por internautas à época², chamavam a atenção principalmente para os saques às lojas que eram realizados por grupos de pessoas compostos de homens e mulheres de idades diversas, desde crianças e pré-adolescentes às pessoas idosas. O mais curioso do fato foram as matérias posteriores, nas quais foi apresentado que a Delegacia de Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife, passou a segunda-feira (19) recebendo as mercadorias que foram saqueadas na cidade, que durante a greve registrou cerca de 100 lojas invadidas. Muitas pessoas deixaram os produtos espalhados pelas calçadas da cidade para não levarem diretamente à delegacia. No local, as salas estavam cheias de eletrodomésticos e ele-trônicos de pessoas que se diziam arrependidas pelo ato³.
Com base nesses acontecimentos, dados e repercussões, podemos nos perguntar: Qual o papel que a figura da polícia representa para a sociedade? O que faz com que as pessoas tomem esse tipo de atitude? Será que se não tivessem em grupos ainda agiriam da mesma forma? O que as fizeram devolver os itens saqueados? Será que o ato correto está subordinado ao medo da punição?
A pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Maria Eduarda Mota, do departamento de Ciências Sociais, defende que as pessoas possuem o desejo do consumo e ele é reprimido em razão das condições econômicas que não são favoráveis, principalmente na sociedade capitalista atual, na qual a moralidade seria organizada em torno do consumo³. Portanto, podemos entender que com a anulação da principal forma de controle externo e de imposição da legalidade (a polícia), o ato transgressor é facilitado, e isso parece dar liberdade para que as pessoas possuam o que querem e passem a se sentir integrantes da sociedade.
Diante de tantas pessoas com desejos, realidades e concepções éticas e morais diferentes, o Estado se utiliza do seu poder para impor limitações e obrigações aos corpos, como defende Foucault em sua obra “Vigiar e Punir” de 1975. Se faz necessário domesticar os corpos, conter seus desejos (quer sejam expressos na vida pública ou privada) para que se submetam ao poder, e para que tal objetivo seja alcançado, o Estado se utiliza de métodos de controle, como a corporação policial.
Nessa corrida do Estado para alcançar o objetivo de, por meio do poder disciplinar (como nomeia Foucault, 1975), tornar os indivíduos economicamente úteis e politicamente dóceis (como citou o mesmo autor), a vigilância sobre as pessoas mantem-se em nível elevado ⁴. Quando a figura de vigilância “sai de cena”, os indivíduos se sentem emponderados, donos de seus corpos e desejos novamente, e veem, a partir da inserção na massa, a oportunidade de satisfazerem seus desejos reprimidos. Le Bon, outro pensador que formulou sua teoria sobre o movimento das multidões, em sua primeira obra, intitulada de Psicologia das Multidões de 1895 ⁵, defende que quando imerso em uma situação, com um grupo extenso de indivíduos, o homem regressa para um estado mental primitivo. Um indivíduo que apresenta socialmente um comportamento considerado culto e moral, agindo, na maioria das vezes,com base nessas características, é capaz de se comportar de maneira inesperada, diferente do padrão, estando propenso, inclusive, a agir de maneira violenta. Havendo, segundo ele, uma perda das suas faculdades críticas na imensa massa de gente.
Em relação ao fenômeno aqui abordado, algumas pessoas, ao fim da greve, devolveram o que saquearam e disseram estar arrependidas do ato, mas esse sentimento foi construído através de um sentimento de culpa ou pelo medo da exposição midiática da identidade dos indivíduos? Le Bon argumenta também que, em meio a uma multidão, a culpa pela realização de um ato transgressor é diluída entre os integrantes do grupo. Por isso, os integrantes do grupo acabam realizando atos antes inimagináveis, sem muito “peso na consciência”, afinal havia muitos envolvidos. Por outro lado, Freud defende que a culpa é o método utilizado pela civilização para reprimir os impulsos agressivos. Com o passar do tempo e com a maturidade que cada um adquire, essa repressão externa tende a ser internalizada pelos indivíduos (formando o que Freud chama de superego) fazendo com que se sintam culpados por não cumprirem o que a sociedade estabeleceu. A partir daí, passam a se fiscalizar para que ajam de forma a evitar o sentimento de culpa.
Diante de tudo que foi exposto entendemos que vários fatores estão envolvidos nessas ações de furto. Questões econômicas, sociais, formas de encarar o que é certo e o que é errado e até o papel que a polícia representa no contexto em que cada um vive podem estar ligadas e interligadas na disposição de cada um em participar desses movimentos. Não podemos dizer que o sentimento de culpa foi o fator principal que motivou as pessoas a devolverem os objetos que furtaram nem que foi ele o responsável por fazer com que outras pessoas não participassem do ato. Porém, muitas pessoas, para evitarem ou extinguirem o peso na consciência pela realização de algum ato, fazem o que não sentem prazer e até tentam remediar o que fizeram por saberem que não têm a aprovação da sociedade. Partindo das teorias apresentadas, é importante levarmos em conta a influência desses mecanismos de vigilância externos, principalmente quando são internalizados.

REFERÊNCIA BASE:
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética - De Platão a Foucault. Jorge Zahar Ed. Rio de Janeiro. 2007.

REFERÊNCIAS DE APOIO:
  1. http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2014/05/policiais-militares-de-pernambuco-decidem-encerrar-greve.html
  2. http://www.brasilpost.com.br/2014/05/15/greve-pm-recife_n_5332415.html
  3. http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2014/05/delegacia-de-abreu-e-lima-recebe-produtos-roubados-na-greve-da-pm.html
  4. http://pt.slideshare.net/calafprince7/vigiar-e-punir-resumo 
  5. http://www.serendipidade.com/2006/01/17/psicologia_de_massa/

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