O conflito da mulher diante de uma sociedade que incentiva e ao mesmo tempo delibera a omissão da agressão física doméstica
Por Bianca Falcão
e Luyse Nunes
Há muito tempo sabe-se que o problema
da violência doméstica é mais do que uma questão cultural associada à falta de instrução ou baixa renda. A
violência doméstica contra a mulher e a morte como uma possível consequência
desse ato, apresenta números vergonhosos em nosso país, como por exemplo: “a cada hora, dez mulheres são vítimas de maus tratos”,
segundo a central de atendimento à mulher (http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8561/A-violencia-domestica-no-Brasil). Mais que os números expressivos, são as
histórias por trás de cada um. Nessas trágicas histórias, muitas vezes as
mulheres são oprimidas por serem fomentadas a não serem fracas e a não se
deixarem agredir, reduzindo a questão a uma falta de coragem e de vontade de
não ser agredida. Tal pensamento reflete a culpabilidade da mulher diante da
sua própria agressão ou até morte, como se o direito da mulher estivesse
implicado na obrigação dela de sair daquela situação. Por que então as mulheres
não exercem esse direito de acusar seus companheiros? Será que elas não
denunciam porque gostam de sofrer, como é ironizado na nossa sociedade?
Como exemplo dessa culpabilidade, há
um vídeo intitulado “Hoje eu recebi flores” que aponta a questão
da violência doméstica contra a mulher, mas que apesar de se tratar de um vídeo
em favor de um projeto que: “Visa enfatizar os números vergonhosos da violência
contra a mulher no Brasil, sensibilizar a sociedade dando um novo enfoque ao
problema, gerar debates e mobilizações, levar informação e cobrar melhores
estruturas para acolher a mulher em risco”, segundo apresentado no blog (http://projeto5760.blogspot.com.br/) que serve de base para as iniciativas. Ele fomenta
a ideia de que a mulher foi fraca ao se deixar agredir e não reagir diante das
agressões, nesse caso físicas, como é apresentado na frase final do vídeo: “Se
eu tivesse tido coragem o suficiente e força para deixa-lo, hoje, eu não teria
recebido flores”.
Nas discussões sobre o tema em
questão, o fator medo, sempre é citado. O medo do companheiro pelas suas
ameaças, medo de prejudicar a família, os possíveis filhos, medo do que os
outros vão pensar quando souberem, medo do companheiro ser preso (já que muitas
realmente os amam), medo de ficar sozinha, medo de não ter como sobreviver
financeiramente. O medo é a resposta mais estreita e óbvia nesse assunto. Mas
porque surgem esses medos?
Baseado nisso, podemos trazer a noção
de maturidade ética para Kant, que apresenta uma tríade conflituosa sobre a formação
do que é Ético para o ser. Um primeiro ponto é o código - esse código é o
construído pela sociedade e é o que a rege. No caso da mulher temos a Lei Maria
da Penha no contexto brasileiro, tão vangloriada pela sua existência, mas ainda
problemática na sua aplicabilidade, porque apesar da eficiência judicial, o
principal fator necessário para sua execução, que é a denúncia, muitas vezes
não é realizada. Então, a mulher tem algo que a defende, que diz pra ela: “Você
não precisa ser agredida, nós resolveremos para você”.
Assim surge o segundo ponto proposto
por Kant, que é o da influência dos outros, da sociedade em que ela está
inserida. Essa sociedade é a mesma que cria os códigos, mas que mesmo dizendo:
“Denuncie!”, ela também diz: “O marido ou companheiro, a família é a sua
essência, é o que você é, você vai querer perder tudo isso? E consequentemente
perder a si mesma?”.
As instituições de poder, como é proposto
por Foucault, desde a gestação dos seres, já apresentam como você deve ser: as
escolas com a apreensão do conhecimento metódico, o hospital pela formalização
da normalidade, os presídios como punição ao comportamento desviante das regras
e principalmente, a instituição mais poderosa de todas, a família. Então, uma
mulher que nasce sabendo que a família tem uma constituição patriarcal, assim,
centrada na figura masculina; que existem leis, mas que essas leis foram
criadas pelos homens, para os próprios homens, como ela iria fugir dessa
opressão, já que isso é tão enraizado, tão dissolvido nas pequenas situações e
vivências diárias, fazendo com que essas mulheres nem ao menos saibam que estão
sendo oprimidas?
Com tudo isso, entra o conflito na
formação do terceiro e mediador ponto proposto por Kant, a formação da verdade
no ser. Kant coloca que a maturidade em relação à ética só é alcançada quando
há um equilíbrio entre os três pontos, em que a verdade é um produto e ainda um
somatório dos códigos e dos conceitos dos outros. Chegamos assim, a um dilema:
temos uma mulher que vive numa sociedade que diz que ela deve ser submissa ao
marido e, que ao mesmo tempo, diz que ela não deve se deixar agredir; mas quem
determina o limite da submissão? É dito a ela que é vergonhoso sofrer violência
dentro de casa, ela acredita que os filhos podem sofrer com isso, porém, mais
vergonhoso ainda seria não respeitar o seu homem ou pior não tê-lo mais.
Como então podemos julgar o medo e a
preferência pelas flores e dores causadas pelas relações, do que pelas dores da
solidão pós-separação, que acabam por surgirem em consequência da formação
moral que a sociedade criou de que a mulher é um ser incompleto sem sua família
estruturada aos moldes patriarcais? Necessitamos humanizar e sensibilizar a
sociedade dando um novo enfoque ao problema que tire a mulher como culpada pela
própria agressão, promovendo debates e mobilizações, levando informação e
cobrando melhores estruturas não só físicas, mas psicológicas para acolher a mulher.
REFERÊNCIAS:
Blog do vídeo: http://projeto5760.blogspot.com.br/
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética: de Platão
a Foucault. Zahar, 2007.
Dados estatísticos: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8561/A-violencia-domestica-no-Brasil
Muito bom!
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ResponderExcluirFragmento do texto:
ResponderExcluirNecessitamos humanizar e sensibilizar a sociedade dando um novo enfoque ao problema que tire a mulher como culpada pela própria agressão, promovendo debates e mobilizações, levando informação e cobrando melhores estruturas não só físicas, mas psicológicas para acolher a mulher.
Aos ditos "donos do poder" #ficaadica