Por:
Mahelly Oliveira, Raíza Rocha e Fillipe Araújo
A consolidação da psicologia como
ciência e profissão é fruto de uma construção de décadas de trabalho intenso
por parte dos profissionais que sempre vislumbraram um fazer psicológico de
excelência, visando aliviar o sofrimento psíquico humano e avançar nas questões
do fazer científico psicológico. Das primeiras disciplinas de Psicologia nas
faculdades de ciências médicas até a estruturação atual da profissão como se
tem hoje, ocorreram incontáveis reflexões teóricas e práticas a fim de promover
o crescimento e fortalecimento da área enquanto ciência e profissão (Soares,
2010).
No site do CRP/SP, na aba de publicações categoria Diversos, encontramos o
Catálogo da Exposição Psicologia: 50 anos de Profissão no Brasil, que traz uma
linha do tempo, com linguagem acessível, de forma a situar o leitor seja ele da
comunidade acadêmica ou não, sobre a trajetória da psicologia desde os tempos
remotos até o que conhecemos hoje. Remonta o surgimento dos primeiros indícios
de pensamentos psicológicos no período colonial no Brasil e apresenta as
principais produções científicas e literárias dos estudiosos nacionais. Quando a Lei 4119 de 27 de agosto de
1962 entra em vigor e reconhece a profissão de psicólogo, traz consigo a
necessidade emergente de se ter um código de conduta para nortear essa prática
profissional recém legalizada. A soma de esforços se traduziu na criação do
Sistema Conselhos, a ‘quem’ cabe as funções de orientar, disciplinar,
fiscalizar e zelar pelo cumprimento das práticas éticas na profissão e no
código de ética do psicólogo, que tem a função de orientar as práticas e
condutas dos profissionais entre si e para com o cliente, bem como servir de
ponto de partida para os trâmites que deverão ser conduzidos baseados no Código
de Ética da profissão, caso algum profissional
da área pratique algum tipo de desvio de conduta.
É necessária a ideia de se ter o Código
como um orientador para se debaterem questões referentes à ética profissional,
à infração ao Código, ao tipo de conduta de infração que tem sido encontrada,
entre outros aspectos. A missão primordial de um código de
ética profissional não é de normatizar a natureza técnica do trabalho, e, sim,
a de assegurar, dentro de valores relevantes para a sociedade e para as
práticas desenvolvidas, um padrão de conduta que fortaleça o reconhecimento
social daquela categoria (BOCK,
2008, p.101).
Tendo
em vista a mutabilidade da sociedade, o Código está à mercê de alterações, para
que possa condizer com as exigências e valores do bem social. Isso nos traz também
a necessidade da autorreflexão, pautada na ética profissional, de maneira a
estar condizente e acompanhando seus valores e sua adequação na prática. Como
posto no ponto c do Código: "Contemplar
a diversidade que configura o exercício da profissão e a crescente inserção do
psicólogo em contextos institucionais e em equipes multiprofissionais."
No
que diz respeito a esses processos de “ajustamento de conduta” temos o Código
de Processamento Disciplinar, instituído pela resolução do Conselho Federal
de psicologia (CFP) 6/2007, que se configura como suporte para os procedimentos de
sanção a desvios de conduta do Código de Ética da Psicologia. O processo de
investigação das faltas éticas ocorre a partir de denúncias contra profissionais que infrinjam o Código de Ética Profissional ou que
cometam faltas disciplinares. Tais denúncias envolvem a atuação desses
profissionais em todo território nacional e são realizadas por qualquer pessoa
que se sinta lesada ou que testemunhe/reconheça práticas irregulares ou
abusivas. Nesse sentido, deve-se apresentar ao Conselho Regional de Psicologia
(CRP) em que o profissional denunciado estiver inscrito, um documento redigido
pelo representante da acusação com os
seguintes dados: nome e qualificação de quem denuncia; nome e qualificação do
profissional denunciado; descrição detalhada do fato; provas documentais que
possam auxiliar no processo de apuração e quaisquer meios existentes que
sustentem o que é alegado. Ainda que a apresentação de tais documentos não
ocorra, a representação da denúncia pode ser oficializada (ver site do CFP
http://site.cfp.org.br/ servicos/orientacao-e-etica/processos-eticos/).
As
denúncias são apuradas pela Comissão de Ética do respectivo CRP e a depender da
natureza do caso, a representação é transformada em processo e julgada em
plenário, sendo aplicada a penalidade devida considerando a gravidade de cada
caso, que vai desde o pagamento de multa calculada em anuidades até a suspensão
temporária das atividades, ou cassação do registro ou cadastramento.
O
artigo intitulado “Análise dos Processos Éticos Publicados no Jornal do
Conselho Federal de Psicologia” (ZAIA;
OLIVEIRA; NAKANO, 2010)
traz
resultados interessantes para essa discussão; o objetivo principal da pesquisa
citada foi analisar os processos éticos publicados no período de 2004 a 2016 no
jornal do Conselho Federal. Foram avaliadas 26 edições do jornal do conselho
nesse intervalo de 2004 a 2016, um total 286 infrações na seção intitulada
“Processos Éticos”.
Os
resultados, quanto ao conteúdo das denúncias, apontaram 35 categorias
diferentes, sendo a mais comum sobre processos éticos profissionais. Destaca-se
que os três números mais recentes da revista apresentaram com maior clareza o
conteúdo das ementas, tornando possível verificar que dos 57 processos éticos
descritos, 34 foram relacionados à área da avaliação psicológica, representando
60% do total dos respectivos números. Esses dados guardam as devidas proporções
até o presente, visto que a Avaliação psicológica continua sendo objeto da
maior parte das representações.
No
Brasil, mesmo antes do reconhecimento legal da profissão, há registros da
prática da psicologia através do uso de testes e métodos de avaliação
psicológicos que já eram utilizados nos serviços públicos de orientação
infantil implantados em São Paulo e no Rio de Janeiro. A mensuração também era
a base utilizada por institutos voltados para a seleção e orientação de pessoal
e organização do trabalho. Os campos de atuação que se consolidaram como
prática, na época, foram a clínica, escolar-educacional e organização do
trabalho. Hoje o escopo da psicologia é muito mais abrangente e se tratando de
Avaliação psicológica podemos elencar alguns campos onde a avaliação e laudo
psicológico constituem o fazer psicológico, como por exemplo: no Judiciário,
quando da avaliação psicológica para porte de arma; no contexto de trânsito,
para concessão da habilitação, entre outros. E embora a Avaliação Psicológica
já esteja consolidada, devido sua importância e reverberação de seu resultado,
nota-se a fundamental importância de manter a categoria ciente e integrando o
movimento de consciência da profissão e suas diretrizes.
O que
há por trás desse percentual exagerado de denúncias onde o objeto é, de alguma
forma, a avaliação psicológica? As
exigências institucionais podem influenciar o laudo psicológico? A
academia está dando conta dessa particularidade do fazer psicológico?
O que
fazer para que a categoria profissional esteja cada vez mais consciente de que
a negligência ou as contravenções contra o código de ética, não termine só no
arquivamento do processo ou na aplicação da penalidade quando do trânsito em
julgado? Pode ser causa do sofrimento psíquico de alguém e isso não se remedia
em acordos ou pagamentos de multa.
Um
exemplo a ser citado é o caso do diretor de creche que passou quatro anos na cadeia,
após condenação baseada somente em laudos psicológicos. Tais
documento elaborados por dois “peritos”, que posteriormente,
após denúncia e apuração, foram punidos pelo Conselho
Regional de Psicologia, levaram o Tribunal a condenar o réu por violência
sexual contra crianças. Além de preso, conforme
veiculado na imprensa, sofreu violência na prisão
em virtude do tipo do crime que determinou a sua condenação (link da reportagem completa disponível no endereço
https://odia.ig.com.br/_conteudo/noticia/rio-de-janeiro/2015-02-21/laudos-psicologicos-com-falhas-levam-homem-a-ser-preso-e-torturado.html)
Considerando
o objetivo da profissão, os processos de sanção sempre hão de girar em torno da
reconstituição dos valores e das relações envolvidas no processo, primando pela
ética e boa conduta da responsabilidade a que cabe a Psicologia, promovendo a
conscientização do papel individual no funcionamento social objetivando os
valores éticos e o bem-estar coletivo. Entretanto, há que se ter em alta conta
a prevenção de qualquer ato infracional que além de ir de encontro a um código
de conduta de uma categoria profissional, vai de encontro ao direito humano de
Ser e reverbera para além do julgamento ético feito em plenário.
Referências Bibliográficas:
SOARES, Antonio R. A Psicologia no Brasil. Psicologia: ciência e profissão. 2010, vol.30, n.spe, pp.8-41.
ZAIA,
P., OLIVEIRA, K. S., & NAKANO, T. C. (2018). Análise dos Processos Éticos
Publicados no Jornal do Federal. Psicologia: Ciência e Profissão Jan/Mar. 2018
v. 38 n°1, 8-21. https://doi.org/10.1590/1982-3703003532016
Código
de Ética da Psicologia. Disponível em <https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf>
Acesso em junho. 2018.
Disponível em <<https://atosoficiais.com.br/cfp/resolucao-cfp-n-6-Código de Processamento Disciplinar.2007-institui-o-codigo-de-processamento-disciplinar?q=6/2007>>
Acesso em junho. 2018.
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