sexta-feira, 13 de julho de 2018

Código de Ética da Psicologia como diretriz: Avaliações Psicológicas e Processos de Desvios


Por: Mahelly Oliveira, Raíza Rocha e Fillipe Araújo


A consolidação da psicologia como ciência e profissão é fruto de uma construção de décadas de trabalho intenso por parte dos profissionais que sempre vislumbraram um fazer psicológico de excelência, visando aliviar o sofrimento psíquico humano e avançar nas questões do fazer científico psicológico. Das primeiras disciplinas de Psicologia nas faculdades de ciências médicas até a estruturação atual da profissão como se tem hoje, ocorreram incontáveis reflexões teóricas e práticas a fim de promover o crescimento e fortalecimento da área enquanto ciência e profissão (Soares, 2010). 
No site do CRP/SP, na aba de publicações categoria Diversos, encontramos o Catálogo da Exposição Psicologia: 50 anos de Profissão no Brasil, que traz uma linha do tempo, com linguagem acessível, de forma a situar o leitor seja ele da comunidade acadêmica ou não, sobre a trajetória da psicologia desde os tempos remotos até o que conhecemos hoje. Remonta o surgimento dos primeiros indícios de pensamentos psicológicos no período colonial no Brasil e apresenta as principais produções científicas e literárias dos estudiosos nacionais. Quando a Lei 4119 de 27 de agosto de 1962 entra em vigor e reconhece a profissão de psicólogo, traz consigo a necessidade emergente de se ter um código de conduta para nortear essa prática profissional recém legalizada. A soma de esforços se traduziu na criação do Sistema Conselhos, a ‘quem’ cabe as funções de orientar, disciplinar, fiscalizar e zelar pelo cumprimento das práticas éticas na profissão e no código de ética do psicólogo, que tem a função de orientar as práticas e condutas dos profissionais entre si e para com o cliente, bem como servir de ponto de partida para os trâmites que deverão ser conduzidos baseados no Código de Ética da profissão, caso algum profissional da área pratique algum tipo de desvio de conduta.
É necessária a ideia de se ter o Código como um orientador para se debaterem questões referentes à ética profissional, à infração ao Código, ao tipo de conduta de infração que tem sido encontrada, entre outros aspectos. A missão primordial de um código de ética profissional não é de normatizar a natureza técnica do trabalho, e, sim, a de assegurar, dentro de valores relevantes para a sociedade e para as práticas desenvolvidas, um padrão de conduta que fortaleça o reconhecimento social daquela categoria (BOCK, 2008, p.101).

Tendo em vista a mutabilidade da sociedade, o Código está à mercê de alterações, para que possa condizer com as exigências e valores do bem social. Isso nos traz também a necessidade da autorreflexão, pautada na ética profissional, de maneira a estar condizente e acompanhando seus valores e sua adequação na prática. Como posto no ponto c do Código: "Contemplar a diversidade que configura o exercício da profissão e a crescente inserção do psicólogo em contextos institucionais e em equipes multiprofissionais."
No que diz respeito a esses processos de “ajustamento de conduta” temos o Código de Processamento Disciplinar, instituído pela resolução do Conselho Federal de psicologia (CFP) 6/2007, que se configura como suporte para os procedimentos de sanção a desvios de conduta do Código de Ética da Psicologia. O processo de investigação das faltas éticas ocorre a partir de denúncias contra profissionais que infrinjam o Código de Ética Profissional ou que cometam faltas disciplinares. Tais denúncias envolvem a atuação desses profissionais em todo território nacional e são realizadas por qualquer pessoa que se sinta lesada ou que testemunhe/reconheça práticas irregulares ou abusivas. Nesse sentido, deve-se apresentar ao Conselho Regional de Psicologia (CRP) em que o profissional denunciado estiver inscrito, um documento redigido pelo representante da acusação com os seguintes dados: nome e qualificação de quem denuncia; nome e qualificação do profissional denunciado; descrição detalhada do fato; provas documentais que possam auxiliar no processo de apuração e quaisquer meios existentes que sustentem o que é alegado. Ainda que a apresentação de tais documentos não ocorra, a representação da denúncia pode ser oficializada (ver site do CFP http://site.cfp.org.br/ servicos/orientacao-e-etica/processos-eticos/).
As denúncias são apuradas pela Comissão de Ética do respectivo CRP e a depender da natureza do caso, a representação é transformada em processo e julgada em plenário, sendo aplicada a penalidade devida considerando a gravidade de cada caso, que vai desde o pagamento de multa calculada em anuidades até a suspensão temporária das atividades, ou cassação do registro ou cadastramento.
O artigo intitulado “Análise dos Processos Éticos Publicados no Jornal do Conselho Federal de Psicologia” (ZAIA; OLIVEIRA; NAKANO, 2010) traz resultados interessantes para essa discussão; o objetivo principal da pesquisa citada foi analisar os processos éticos publicados no período de 2004 a 2016 no jornal do Conselho Federal. Foram avaliadas 26 edições do jornal do conselho nesse intervalo de 2004 a 2016, um total 286 infrações na seção intitulada “Processos Éticos”.
Os resultados, quanto ao conteúdo das denúncias, apontaram 35 categorias diferentes, sendo a mais comum sobre processos éticos profissionais. Destaca-se que os três números mais recentes da revista apresentaram com maior clareza o conteúdo das ementas, tornando possível verificar que dos 57 processos éticos descritos, 34 foram relacionados à área da avaliação psicológica, representando 60% do total dos respectivos números. Esses dados guardam as devidas proporções até o presente, visto que a Avaliação psicológica continua sendo objeto da maior parte das representações.
No Brasil, mesmo antes do reconhecimento legal da profissão, há registros da prática da psicologia através do uso de testes e métodos de avaliação psicológicos que já eram utilizados nos serviços públicos de orientação infantil implantados em São Paulo e no Rio de Janeiro. A mensuração também era a base utilizada por institutos voltados para a seleção e orientação de pessoal e organização do trabalho. Os campos de atuação que se consolidaram como prática, na época, foram a clínica, escolar-educacional e organização do trabalho. Hoje o escopo da psicologia é muito mais abrangente e se tratando de Avaliação psicológica podemos elencar alguns campos onde a avaliação e laudo psicológico constituem o fazer psicológico, como por exemplo: no Judiciário, quando da avaliação psicológica para porte de arma; no contexto de trânsito, para concessão da habilitação, entre outros. E embora a Avaliação Psicológica já esteja consolidada, devido sua importância e reverberação de seu resultado, nota-se a fundamental importância de manter a categoria ciente e integrando o movimento de consciência da profissão e suas diretrizes.
O que há por trás desse percentual exagerado de denúncias onde o objeto é, de alguma forma, a avaliação psicológica? As exigências institucionais podem influenciar o laudo psicológico? A academia está dando conta dessa particularidade do fazer psicológico?
O que fazer para que a categoria profissional esteja cada vez mais consciente de que a negligência ou as contravenções contra o código de ética, não termine só no arquivamento do processo ou na aplicação da penalidade quando do trânsito em julgado? Pode ser causa do sofrimento psíquico de alguém e isso não se remedia em acordos ou pagamentos de multa.
Um exemplo a ser citado é o caso do diretor de creche que passou quatro anos na cadeia, após condenação baseada somente em laudos psicológicos. Tais documento elaborados por dois “peritos”, que posteriormente, após denúncia e apuração, foram punidos pelo Conselho Regional de Psicologia, levaram o Tribunal a condenar o réu por violência sexual contra crianças. Além de preso, conforme veiculado na imprensa, sofreu violência na prisão em virtude do tipo do crime que determinou a sua condenação (link da reportagem completa disponível no endereço https://odia.ig.com.br/_conteudo/noticia/rio-de-janeiro/2015-02-21/laudos-psicologicos-com-falhas-levam-homem-a-ser-preso-e-torturado.html)
Considerando o objetivo da profissão, os processos de sanção sempre hão de girar em torno da reconstituição dos valores e das relações envolvidas no processo, primando pela ética e boa conduta da responsabilidade a que cabe a Psicologia, promovendo a conscientização do papel individual no funcionamento social objetivando os valores éticos e o bem-estar coletivo. Entretanto, há que se ter em alta conta a prevenção de qualquer ato infracional que além de ir de encontro a um código de conduta de uma categoria profissional, vai de encontro ao direito humano de Ser e reverbera para além do julgamento ético feito em plenário.


Referências Bibliográficas:
SOARES, Antonio R. A Psicologia no Brasil. Psicologia: ciência e profissão2010, vol.30, n.spe, pp.8-41.
ZAIA, P., OLIVEIRA, K. S., & NAKANO, T. C. (2018). Análise dos Processos Éticos Publicados no Jornal do Federal. Psicologia: Ciência e Profissão Jan/Mar. 2018 v. 38 n°1, 8-21. https://doi.org/10.1590/1982-3703003532016
Código de Ética da Psicologia. Disponível em <https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf> Acesso em junho. 2018.
 Disponível em <<https://atosoficiais.com.br/cfp/resolucao-cfp-n-6-Código de Processamento Disciplinar.2007-institui-o-codigo-de-processamento-disciplinar?q=6/2007>> Acesso em junho. 2018.


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